Mais diversa, nova safra de cineastas brasileiros é celebrada no exterior

Com uma produção volumosa e mais diversa, uma nova safra de cineastas brasileiros vem sendo selecionada e aplaudida em grandes festivais internacionais. É o caso de duas jovens diretoras, Beatriz Seigner e Carolina Markowicz, cujos filmes serão exibidos na Quinzena de Realizadores do Festival de Cannes, evento que objetiva dar visibilidade aos novos realizadores e cujas sessões ocorrem paralelamente à célebre competição francesa, que se inicia nesta terça-feira (08/05).

A multiplicidade de olhares por trás das câmeras acompanha o crescimento da produção nacional como um todo, que explodiu na última década. Um termômetro são as inscrições de novos filmes no Festival de Brasília, por exemplo, que saltou de 30 para 170 entre 2007 e 2017. Segundo a Agência Nacional do Cinema (Ancine), o Brasil teve um recorde de 158 filmes lançados no ano passado.

Além do maior volume produzido, a descentralização e a criação de novos polos de produção fora do eixo Rio-São Paulo, bem como uma maior preocupação em incluir mais mulheres, negros e indígenas em políticas de incentivo tem mudado, aos poucos, o rosto e o sotaque do cinema brasileiro.

“Estamos vivendo o período mais diverso na produção cinematográfica brasileira”, analisa o crítico de cinema Adriano Garrett, responsável pelo site especializado CineFestivais. “É uma produção vigorosa, com diversidade geográfica, de linguagem e temática, que ainda nem atingiu a maturidade, visto que muitos realizadores desta geração estão produzindo curtas e ainda não lançaram os primeiros longas-metragens”, afirma.

“Faço parte de uma geração que está chegando e fazendo seu primeiro ou segundo longa. Ainda está longe do ideal, mas é bem legal participar deste momento, em que finalmente há algumas medidas para incluir no cinema mais pessoas que antes não tinham acesso”, opina Markowicz, de 35 anos.

Superando obstáculos

Embora ainda esbarre em problemas como a dificuldade de financiamento, de distribuição e da pouca formação de público, o diverso grupo – cujos expoentes incluem também o pernambucano Kleber Mendonça Filho, diretor de O Som ao Redor e Aquarius, o ex-jogador de futebol Adirley Queirós, que filmou na cidade-satélite de Ceilândia Branco Sai, Preto Fica, além dos mineiros Affonso Uchôa e João Dumans (diretores de Arábia) e Juliana Antunes (Baronesa) – tem conseguido romper barreiras e atingir boa inserção em festivais nacionais e internacionais.

Inspirado em casos reais, o curta O Órfão, de Markowicz, foi escolhido entre 1.667 inscritos e relata o drama de Jonathas, menino negro e pobre que acaba preterido nos processo de adoção por ser diferente.

“Acabei me deparando com casos de crianças devolvidas no processo de adoção por terem características mais afeminadas ou por parecerem gays. Fiquei chocada, achei um absurdo e resolvi fazer o filme para contar que essas histórias existem”, explica a paulistana.

Cineasta Beatriz SeignerEm 2009, Seigner foi premiada pelo longa “Bollywood Dream – O Sonho Bollywoodiano”, coprodução entre Brasil e Índia

Já o longa Los Silencios, dirigido por Beatriz Seigner, disputou com outros 1.609 filmes uma vaga na exibição. Nascido de mais de 80 entrevistas com famílias colombianas e filmado na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, o longa narra a jornada de Amparo, que foge do conflito armado em seu país e se abriga com os dois filhos pequenos em uma pequena ilha com casas de palafita no Rio Amazonas.

Da ideia inicial dada por uma amiga colombiana à estreia em Cannes, passou-se quase uma década, lembra Seigner. “Comecei a escrever em 2009 e mandar para editais em 2012. Mandei para 37 editais, nós ganhamos dez e perdemos 27. Com bastante persistência, acabamos conseguindo ganhar um pouco em cada edital e fechar o orçamento”, explica a cineasta de 33 anos

Ela se aproximou do cinema ainda na adolescência, quando produziu um curta em uma oficina na comunidade Monte Azul, na zona sul de São Paulo. Em 2009, foi premiada pelo longa Bollywood Dream – O Sonho Bollywoodiano, primeira coprodução cinematográfica entre o Brasil e a Índia da história.

Formação de cineastas

“A produção brasileira saiu do eixo Rio-São Paulo e se diversificou bastante em novos polos, como o de Pernambuco, o do Ceará e o de Contagem, em Minas Gerais”, explica Garrett, ressaltando a importância da disseminação, nos últimos 15 anos, de cursos técnicos e universitários voltados para o audiovisual, que ajudaram a formar parte dos cineastas atuando hoje.

“Até os anos 2000, havia poucas opções para quem quisesse estudar cinema fora das capitais. E mesmo nelas as opções eram restritas, havia basicamente os cursos da Universidade de Brasília, criado em 1965, ou a USP e a FAAP, em São Paulo. Os cursos existiam, mas eram oferecidos em um número muito menor do que o atual”, afirma.

Cinema brasileiro é o grande vencedor do Teddy Award

Na política pública, um indutor importante da produção cinematográfica nacional foi a criação da Ancine, em 2001. “Essa leva de editais e leis de incentivo, tanto no plano federal quanto nos estaduais e municipais, ajudaram a impulsionar essa produção. Hoje, a maior parte das produções, exceto as ultraindependentes, tem algum tipo de financiamento via edital. Isso ainda é uma parte muito grande do contexto de produção brasileira”, diz Garrett.

Oriunda de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, a dupla de diretores e roteiristas Filipe Matzembacher e Marcio Reolon é fruto da descentralização dos polos de criação cinematográfica. Ambos se formaram na PUC-RS, Matzembacher com o auxílio do ProUni, programa do governo federal que oferece bolsas em universidades privadas para alunos de baixa renda.

“Somos de uma das primeiras turmas de cinema do nosso estado. Eu tive bolsa, vários outros tiveram também esse tipo de incentivo para estudar. Isso traz novos olhares e possibilidades de acesso para outras pessoas”, opina Matzembacher.

Multiplicidade de olhares e temas

A estreia da dupla Matzembacher e Reolon se deu no Festival de Berlim, a Berlinale, de 2015, com o filme Beira-Mar. Três anos depois, os gaúchos comemoraram a inclusão do segundo longa, Tinta Bruta, na mostra Panorama do festival deste ano. O filme venceu a categoria de melhor longa-metragem no Teddy Awards, segmento da Berlinale dedicado a obras com temática LGBTI. O longa também ganhou o CICAE Art Cinema Award.

“Hoje há um pessoal produzindo cinema que mostra de fato a cara do Brasil, que vai além da cara da novela da Globo, com sotaque carioca”, opina Daniel Ribeiro, de 35 anos, diretor do longa Hoje eu quero voltar sozinho. O filme levou para as telas a história da descoberta da sexualidade de um adolescente com deficiência visual e estreou no Festival de Berlim de 2014.

O diretor André Novais, expoente da chamada “cena de Contagem”, cidade da região metropolitana da capital mineira Belo Horizonte, também destaca a multiplicidade de olhares como um dos principais diferenciais dessa nova geração.

“Há dez anos, eram poucas as pessoas negras no audiovisual. Hoje dá para ver um crescimento, vários diretores e diretoras negras conseguindo fazer curtas e mesmo longas. É ver o Brasil por meio de olhares diferentes”, opina ele, que ingressou no universo do audiovisual na adolescência, assistindo a festivais de cinema em Belo Horizonte.

Documentário brasileiro sobre indígenas é premiado em Amsterdã

Nesse contexto, ele conheceu a Escola Livre de Cinema, espécie de curso técnico de um ano de duração, onde se formou. Foi também fora desse eixo já consagrado que nasceu a produtora Filmes de Plástico, formada por Novais, Gabriel Martins, Maurílio Martins e Thiago Macêdo Correia.

“Eu acho que a geração atual teve a felicidade de ver o acesso mais simplificado a tecnologias que em alguma instância ‘democratizaram’ a produção. Muitos profissionais, incluindo eu, começaram a trabalhar com cinema a partir de iniciativas próprias, com grupos de amigos, por ter a possibilidade de filmar com câmeras e equipamentos mais acessíveis”, opina Macêdo.

O mineiro produziu o documentário Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos, coprodução portuguesa rodado na terra indígena Krahô, no Tocantins, cuja estreia acontecerá na mostra Un Certain Regard, como parte das festividades de Cannes em 2018.

“Somente depois que alguns de nós tivemos a possibilidade de concorrer e ter contemplações em editais públicos. Esses fomentos também ampliaram a possibilidade de surgimento de novas filmografias, o que num passado não tão distante talvez fosse mais limitado a poucos nomes já reconhecidos”, diz o produtor e diretor.

Quem está assistindo a esses filmes?

O crítico de cinema Sérgio Rizzo aponta, no entanto, a existência de gargalos que impedem que essa nova produção nacional atinja um público maior.

“Vejo com simpatia o cinema de longa-metragem experimental, mas fico um pouco incomodado porque esses filmes circulam pouco. É um cinema de festival, que chega a poucas salas e não têm a existência que merece”, afirma. “Tendemos a olhar para os filmes e reconhecer ali um talento emergente e jovem, mas quem está assistindo a esses filmes? Em geral, o mercado é dominado por superproduções”, acrescenta o crítico, ressaltando que seria necessário também uma política mais robusta na formação do público.

Além dos problemas estruturais, a geração atual de cineastas convive com os temores de corte de verbas e as incertezas diante do volátil cenário político brasileiro. A esperança, porém, é de que as mudanças sejam irreversíveis.

“Não sabemos exatamente o que acontecerá, mas essa área tem muita força e conseguiu manter as conquistas até agora. A minha geração conseguiu ter acesso a esses recursos muito jovem, é fruto desse olhar do governo para o setor”, afirma Ribeiro.

Para Garrett, como as políticas públicas costumam dar resultado no médio prazo, possíveis impactos só serão sentidos nos próximos anos. “No momento, a safra ainda é muito rica.”

 

Fonte: www.dw.com

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