Henry Fountain, The New York Times 15 de julho de 2019 | 06h00 SERMILIK FJORD, GROENLÂNDIA - Vários quilômetros acima deste fiorde, no sudoeste da Groenlândia, a água ficou de repente leitosa, sinal de que está carregada de sedimentos. É este material - trazido pelo fluxo constante da água do derretimento do glaciar Sermeq - que Mette Bendixen, uma cientista dinamarquesa da Universidade de Colorado, viu. Especializada em geomorfologia, Bendixen está aqui para investigar uma ideia: será possível que esta ilha, com uma população de 57 mil habitantes, se torne uma fornecedora de areia para bilhões de pessoas? A areia das praias que sofreram erosão. A areia usada como leito de tubulações, cabos e outros elementos de infraestrutura subterrânea. E, principalmente, areia para concretagem. A mudança climática está provocando o derretimento do gelo da Groenlândia e a costa agora está coberta de areia. Norte do Fiorde Sermilik. A mudança climática está provocando o derretimento do gelo da Groenlândia e a costa agora está coberta de areia

Derretimento de gelo na Groenlândia deixa ilha coberta de areia

Vários quilômetros acima deste fiorde, no sudoeste da Groenlândia, a água ficou de repente leitosa, sinal de que está carregada de sedimentos. É este material – trazido pelo fluxo constante da água do derretimento do glaciar Sermeq – que Mette Bendixen, uma cientista dinamarquesa da Universidade de Colorado, viu.

Especializada em geomorfologia, Bendixen está aqui para investigar uma ideia: será possível que esta ilha, com uma população de 57 mil habitantes, se torne uma fornecedora de areia para bilhões de pessoas? A areia das praias que sofreram erosão. A areia usada como leito de tubulações, cabos e outros elementos de infraestrutura subterrânea. E, principalmente, areia para concretagem.

O mundo produz anualmente cerca de 10 bilhões de concreto, e deverá produzir mais para uma população que, segundo as previsões, crescerá mais de 25% até 2050. Isto torna a areia, que compõe cerca de 40% do concreto em termos de peso, uma das commodities mais usadas do mundo, e está escasseando em algumas regiões. Dado o poder da erosão do gelo, existe uma grande quantidade de areia na Groenlândia. E com a mudança climática, na Groenlândia, acelerando o derretimento da camada de gelo de 1,5 quilômetro de espessura, esta quantidade aumentará.

Bendixen planeja um estudo de dois anos de duração para responder às perguntas a respeito da ideia, inclusive sua viabilidade e as consequências sobre o meio ambiente da extração e exportação de grandes quantidades de areia. O governo da Groenlândia, território autônomo da Dinamarca, também estuda a questão. Caberia a empreendedores, possivelmente com a assistência do governo, tornar a ideia uma realidade. Sua viabilidade dependeria da elevação do preço da areia.

Atualmente, quase toda a areia é extraída em uma área a até 80 quilômetros do local onde é utilizada, disse Jason C. Willett, especialista em commodities minerais da United States Geological Survey. “Se tiver de ser transportada para qualquer distância, passará a custar muito mais”, afirmou. Na Groenlândia, onde a pesca representa cerca de 90% das exportações e a Dinamarca fornece cerca da metade do orçamento do governo, criar uma grande indústria de exportação de areia seria crucial para sua eventual independência.

Kuupik Kleist, primeiro-ministro do país de 2009 a 2013, afirmou que a exploração de recursos minerais é o alvo óbvio em vista de um maior crescimento econômico. “Mas para substituir a metade do orçamento do governo seria necessário um lucro enorme proporcionado por qualquer nova atividade a ser explorada”, acrescentou.

A capa de gelo da Groenlândia leva 820 milhões de toneladas de sedimentos para o oceano no mundo inteiro. A geleira de Sermilik Fjord, a 80 quilômetros ao sul da capital, Nuuk, representa cerca de 2% do total da Groenlândia. Bendixen fez alguns cálculos hipotéticos.

Se fossem extraídos apenas 15% dos sedimentos que escoam neste fiorde anualmente, esta quantidade – 30 milhões de toneladas – seria o dobro da demanda anual do condado de San Diego na Califórnia, um dos mais populosos dos EUA. Sermilik Fjord é apenas um dos vários lugares da Groenlândia com grandes quantidades de areia.

Bendixen observou que a contribuição dos groenlandeses para o aquecimento global é muito reduzida – as suas emissões são uma fração minúscula do total global. “Eles têm uma longa lista de consequências negativas com as quais precisam lidar”, afirmou, inclusive o aumento dos níveis do mar, e o derretimento do permafrost (tipo de solo encontrado na região do Ártico) . “Se uma das consequências é realmente positiva, quem somos nós para dizer que não podem beneficiar-se dela?”

A demanda de areia está aumentando no mundo inteiro. A mineração muitas vezes é ilegal. Um relatório da ONU deste ano mostrou que a extração de areia ao redor do mundo está ultrapassando as suas taxas de reconstituição. A retirada de areia ao longo dos rios e nas regiões costeiras frequentemente provoca uma erosão maior e prejudica o ecossistema, disse o documento. Mesmo Nuuk, com uma população de 17,5 mil habitantes, está de olho na expansão. Há planos para a construção de milhares de habitações para abrigar uma população que deverá chegar a 30 mil pessoas até 2030.

Mike Hoegh extrai areia para uso em Nuuk com o seu navio de dragagem de 46 metros, o Masik Sioraq. Recentemente, o navio se encontrava em um pequeno fiorde. A tripulação de quatro homens instalou um tubo de 18 metros no leito marinho, ligou uma bomba e um fluxo persistente de água e areia jorrava através de uma tela no porão da embarcação. Depois de algumas horas, a água no porão seria substituída totalmente pela areia, cerca de 345 metros cúbicos.

O que Bendixen e outros preveem seria algo em uma escala muito maior, a extração da areia de fiordes como o Sermilik que seria carregada em grandes navios para ser enviada a outros lugares. O objetivo dos seus estudos é apresentar aos groenlandeses uma análise completa das perspectivas de desenvolvimento de uma indústria de extração de areia. Mas o seu envolvimento terminaria ali. “Cabe à própria Groenlândia concluir se é isto que ela realmente quer”, afirmou.

Fonte: Estadão