Fonte: The CityFixBrasil
São Paulo ferve. Assim como em outras grandes cidades do mundo, o aquecimento global e local se reflete nos dados da temperatura. Segundo estudo do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), a temperatura média na capital paulista aumentou mais de 1°C desde 1930.
Parece pouco? No Acordo de Paris, como se sabe, os países se comprometeram a buscar manter o aquecimento do planeta em 1,5°C na comparação com os níveis de antes da revolução industrial. No entanto, o aumento da temperatura em São Paulo não pode ser colocado em paralelo com a média da temperatura global. Uma cidade como São Paulo forma uma ilha de calor, efeito que pode até contribuir para aumentar a média global, mas sem comparação possível com ela. As ilhas de calor se formam pelas particularidades das áreas urbanas, os materiais usados em contruções e ruas, a impermeabilização do solo, presença ou não de áreas verdes e arborização, entre outras razões.
De qualquer forma, os dados trazidos pela tese de mestrado da analista de meio ambiente Jane Ramires mostram como o impacto do aquecimento global chega à escala local. De acordo com a pesquisa, que tem base nos dados de duas estações (bairros Santana e Ipiranga) recolhidos nos últimos 80 anos, chuvas classificadas como “eventos extremos” por Jane (entre 30mm e 50mm) ocorreram com maior frequência. Além disso, também houve queda na umidade relativa do ar.
O aumento da temperatura não é a única consequência das mudanças climáticas, mas sabe-se que uma pequena elevação nos termômetros é capaz de multiplicar ondas de calor e chuvas torrenciais. Estudo realizado por pesquisadores do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático, da Alemanha, analisou dois períodos, entre 1960 e 1979 e entre 1991 e 2010, quando a temperatura média no mundo cresceu 0,5°C, e percebeu aumento de 10% nas precipitações extremas em um quarto do território do planeta. Em metade das regiões, as secas foram uma semana maiores. Há também outras consequências como aumento do nível do mar, derretimento e recuo de geleiras, de cobertura de neve e a acidificação dos oceanos.
Cidades resilientes mais preparadas para enfrentar as mudanças climáticas
As revelações sobre a alta da temperatura e dos eventos extremos em São Paulo alertam para a necessidade de se construir uma capacidade de reação a tais transformações, a chamada resiliência urbana, e ações de mitigação para evitar um aumento ainda maior do problema. Trata-se de uma responsabilidade dos governos e dos cidadãos, como bem coloca Ani Dasgupta, diretor global do WRI Ross Center for Sustainable Cities.
De acordo com o Grupo C40 de Grandes Cidades para a Liderança Climática, 70% das cidades já estão sentindo os efeitos das mudanças climáticas. Cerca de 90% das áreas urbanas estão em regiões costeiras, o que coloca a maior parte das cidades em risco de inundações devido ao aumento do nível do mar e fortes tempestades. As ilhas de calor também são responsáveis por dobrar os os efeitos das mudanças climáticas, segundo pesquisa recente.
O recente furacão Irma é mais um lembrete da relevância do tema e da necessidade de países mais vulneráveis a eventos extremos se prepararem melhor. Algumas lições são determinantes para a construção da resiliência:
Planejamento: parece evidente demais, mas essa ainda é uma necessidade pouco presente mundo afora, principalmente no caso de países em desenvolvimento. Cidades como Surat, na Índia, e Rotterdam, na Holanda, já começam a adaptar a sua infraestrutura para enchentes e aumento do nível do mar. Redesenhar uma cidade, como pode se imaginar, é um trabalho de longo prazo que exige um bom plano.
Respeitar a infraestrutura natural: o espraiamento urbano com pouco – ou nenhum – planejamento pode interferir em florestas, cursos d’água, manguezais e outras infraestruturas naturais. Mumbai, na Índia, por exemplo, sofreu as consequências de uma grande enchente que poderia ter impactos menores se não tivesse um grande número de construções em áreas úmidas e manguezais que naturalmente ajudam a conter o volume de água.
Dar voz às comunidades: é comum que as pessoas de baixa faixa de renda sofram as piores consequencias de desastres naturais, justamente por habitar áreas mais vulneráveis. É fundamental que as lideranças das cidades olhem com maior atenção para esses locais e fortaleçam o senso de comunidade já presente nelas. O WRI Brasil, por exemplo, tem trabalhado nesse sentido em cidades como Rio de Janeiro e Porto Alegre, estabelecendo indicadores de resiliência para identificar os locais que mais precisam de ajuda e quais seriam as melhores ações para cada um deles.
São Paulo já foi criticada por deixar a preocupação com as mudanças climáticas fora do Programa de Metas 2017-2020. Mas isso não significa que a capital paulista não pode tomar nenhuma atitude para alcançar maior resiliência. Centro financeiro do país, a cidade costuma ser pioneira em muitos sentidos e vista como exemplo por outras regiões Brasil afora. O planeta e a ciência dão evidências de sobra para que as cidades brasileiras comecem a agir nesse sentido.