A estreita conexão entre fome, perda de biodiversidade e mudanças do clima

Desde 1977 já foram lançados 140 relatórios científicos, quase todos alertando para a degradação do ambiente natural, para a perda da biodiversidade, para as mudanças climáticas, para a estreita conexão entre tudo isso e a qualidade de vida do homem no planeta. Nos últimos dias, dois deles acabaram de sair do forno, ambos com o aval das Nações Unidas. Em Medellín, na Colômbia, na quinta-feira (22) foram divulgados os estudos sobre biodiversidade realizados por 550 cientistas de 100 países para a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (IPBE na sigla em inglês). Enquanto isso, a Food Security Information Network lançava um mega relatório sobre a fome no mundo, que anunciei no meu último post.

Esses estudos podem ser entendidos como uma forma de pressão feita por parte da sociedade civil para que os governos e empresas olhem seriamente para a situação e decidam, com base nos resultados, sacrificar metas econômicas de curto prazo. Os problemas são imensos, não dá mais para fazer negócios do mesmo jeito que sempre, não se pode postergar políticas que levem em conta a necessidade de adaptação ao clima. Já deveria ser anacrônico, por exemplo, plataformas de candidatos sem um fortíssimo conteúdo sobre iniciativas propostas para se preservar das mudanças climáticas, da perda da biodiversidade, para enfrentar a fome.

O relatório do IPBES será apresentado oficialmente em novembro deste ano, numa Conferência Mundial sobre Biodiversidade que vai acontecer no Egito, ancorada pela ONU. De acordo com declarações à imprensa feitas pelo presidente do órgão Robert Watson, a redução da biodiversidade é um efeito colateral de um mundo cada vez mais rico e cada vez mais populoso. A maneira como a humanidade tem se virado para conseguir comida, água, energia e terra para plantar é que está provocando a perda de muitas espécies. As mudanças climáticas e o aquecimento global, causados também pelo homem, são outros fatores que contribuem para esse cenário.

Numa leitura um pouco mais aguçada sobre os dois estudos, fica muito claro que o continente africano, hoje, é o que merece mais atenção e cuidado pela exacerbação de problemas que enfrenta em todos os aspectos. Cerca de 500 mil quilômetros quadrados da África já estão degradados pela superexploração de recursos naturais, erosão, salinização e poluição, diz o relatório do IPBES.No estudo sobre a fome, os dados dão conta de que eventos climáticos extremos, sobretudo a seca, causaram crises alimentares em 23 países, deixando 39 milhões de pessoas à míngua de comida no ano passado.Dois terços desses países estavam na África, afetando 32 milhões.

Se, por um lado, o continente, segundo o relatório da biodiversidade, é o último lugar na Terra com uma grande variedade de mamíferos, por outro existem mais plantas africanas, peixes, anfíbios, répteis, pássaros e grandes mamíferos ameaçados. Como sempre, por uma série de causas naturais e induzidas pelo homem.

“A África é extremamente vulnerável aos impactos das mudanças climáticas e isso terá graves consequências para as populações economicamente marginalizadas. Em 2100, a mudança climática também poderia resultar na perda de mais da metade das espécies de pássaros e mamíferos africanos, um declínio de 20 a 30% na produtividade dos lagos da África e uma perda significativa de espécies de plantas africanas ”, diz o relatório.

Como eu falei no início deste texto, não é de hoje que se produz dados que mostram nossa situação. Não vem de agora a pressão que se faz sobre os que comandam a cena política para tentar mudar o cenário. Mesmo com as vozes dissonantes, que desprezam os estudos científicos em nome da preservação do esquema onde poucos se beneficiam, é preciso ter audácia, talvez, para não ouvir os apelos que chegam até do Sumo Pontífice da Igreja Católica que, na encíclica de 2016, chamada “Laudato Si”, chama a atenção para a “concepção mágica do mercado”:

“Convém evitar uma concepção mágica do mercado, que tende a pensar que os problemas se resolvem apenas com o crescimento dos lucros das empresas ou dos indivíduos. Será realista esperar que quem está obcecado com a maximização dos lucros se detenha a considerar os efeitos ambientais que deixará às próximas gerações”, escreve o Sumo Pontífice.

Para a secretária-executiva do IPBES, Anne Larigauderie, uma das descobertas mais importantes nas quatro avaliações regionais do relatório que sua instituição comandou é que a “falta de priorização de políticas e ações para deter e reverter a perda de biodiversidade e a contínua degradação das contribuições da natureza para as pessoas prejudica seriamente as chances de qualquer região e quase todos os países cumprirem seus Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”. Para quem não se lembra, trata-se de uma espécie de acordo, com metas  assumidas por todos os países das Nações Unidas e que deve ser levado adiante até 2030. Do jeito que não estão sendo levados a sério, os ODS podem acabar virando uma retórica inútil.

O que fazer?

Robert Watson, presidente do IPBES, quem compilou a pesquisa, disse em entrevista ao jornal britânico “The Guardian” que, embora não haja “balas de prata” como resposta, as melhores opções em todas as quatro avaliações regionais do relatório que coordenou são encontradas em uma melhor governança, na preocupação com a biodiversidade, nas políticas e práticas setoriais (por exemplo, agricultura e energia), na aplicação do conhecimento científico e tecnológico, aumento da conscientização e em mudanças comportamentais.”

Para além disso tudo, porém, Watson chamou atenção para a maneira como se está deixando para trás o conhecimento local e indígena, poderosa ferramenta contra a degradação do meio ambiente. E mais: para ele,  “A colaboração transfronteiriça também é essencial, dado que os desafios da biodiversidade não reconhecem fronteiras nacionais.”

Corri à estante. Meu desejo, como sabem os que me acompanham neste espaço, é de tentar ajudar o debate com alguma fundamentação teórica para auxiliar. Dessa vez quem vai me ajudar é Joseph E. Stiglitz, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2001, que acabou de lançar no Brasil, pela Alta Books Editora, “O Grande Abismo – Sociedades desiguais e o que podemos fazer sobre isso”. É do que se trata o tempo todo, já que os países ricos, embora conscientes das questões ambientais, não sofrem com os eventos extremos tanto quanto os pobres, sem força do capital para a recuperação. Quanto à fome, nem se fala. Vou reproduzir um trecho do pensamento de Stiglitz para fechar este texto, que me parece extremamente lógica, sensível e, ao mesmo tempo, sempre assustador:

“… Observo que estamos entrando em um mundo mais dividido, não só entre ricos e pobres, mas também entre países que não fazem nada para combater a desigualdade e os que lutam contra ela. Alguns países conseguirão gerar a prosperidade compartilhada – a única espécie de prosperidade que eu considero realmente sustentável. Outros deixarão a desigualdade correr solta. Nessas sociedades divididas, os ricos irão se isolar em comunidades fechadas, quase que totalmente separados dos pobres, cujas vidas serão quase incompreensíveis para eles – assim como a vida dos ricos será incompreensível para os pobres”.

Fonte: Amelia Gonzalez/ G1

 

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