Produção de alimentos no mundo precisa passar por uma nova revolução

Com a participação de cerca de 1.000 pessoas em cinco dias, entre eles 170 pesquisadores de 63 países, foi encerrada na última sexta (21/9) a 3ª Conferência Internacional Agricultura e Alimentação em uma Sociedade Urbanizada, em Porto Alegre. Pesquisadores e público chegaram a um consenso: é preciso mudar o atual sistema de produção de alimentos implantado com a Revolução Verde há 70 anos. A transição para um modelo sustentável que respeite o meio ambiente e seja mais saudável, segundo os especialistas, é inevitável, mas será lenta, longa e demandará uma interconexão maior entre o mundo rural e o urbano.

Para Sergio Schneider, especialista em desenvolvimento rural, professor da UFRGS e coordenador-geral do encontro, a conferência trouxe para o Brasil a discussão de que devemos pensar em sistema agroalimentar e não apenas na agricultura. “É uma mudança de enfoque muito importante. No final dos anos 1950, a FAO [Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura] e organismos internacionais, sob a liderança dos EUA, criaram a Revolução Verde, que deu conta de alimentar o mundo, mas certamente não é a melhor forma de manter a pessoa saudável.”

Segundo ele, nosso sistema de saúde está sobrecarregado porque muitas pessoas o usam para tratar de doenças geradas por se alimentarem muito mal. “É preciso mudar o sistema de produção de alimentos e, em vez de abrir uma farmácia em cada esquina, abrir um pequeno mercadinho.”

Os elementos para mudança, diz Schneider, estão na mesa: as mudanças climáticas e os problemas de saúde já são conhecidos e há estatísticas para comprovar os danos de uma alimentação baseada nos alimentos ultraprocessados e produzidos com pesticidas e outros agroquímicos. Para ele, a agricultura orgânica e a agroecologia, que foram tema de várias palestras no encontro, são alternativas ao modo de produção do agronegócio que domina o mundo hoje.

“A FAO [Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura] indica que já somos capazes de alimentar a população mundial sem destruir o meio ambiente. O desafio do século 21 é desenvolver sistemas de produção sustentáveis para alimentar o planeta.”

A transição do modelo atual para um sustentável será lenta e longa, segundo o pesquisador, mas novas formas de negócios, de mercado vão surgir a partir dessas atividades agrícolas hoje consideradas alternativas. “O que a sociedade precisa impedir é a existência de um único modelo, no caso o agronegócio, que concentra mais poder e tecnologia na mão de muitos poucos.”

Para Gianluca Brunori, especialista na Comissão Europeia em políticas de pesquisa agrícola e professor de política alimentar e bioeconomia do Departamento de Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente da Universidade de Pisa, na Itália, a conferência mostrou que pesquisadores, ativistas, produtores, agricultores familiares, pescadores e extensionistas podem trabalhar em conjunto para criar novos conhecimentos e propor novas ideias visando uma abordagem sistêmica da alimentação.

Elisabetta Recine, presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), disse que vivemos no Brasil em situação de violação ao direito de todas as pessoas terem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade em quantidade suficiente, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e sejam ambiental, econômica e socialmente sustentáveis.

Segundo a dirigente, a concentração e verticalização das grandes indústrias alimentares do mundo geram desempoderamento dos países e de sua capacidade de produção, marginalizando comunidades que ficam sem poder escolher o que comer. “Precisamos de um processo de articulação de políticas públicas para mudar isso.” Elisabetta ressalta que atualmente todas as conquistas políticas que visaram tirar o Brasil do Mapa da Fome estão em risco, com o retrocesso em programas como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar). “É preciso participação popular para mudar isso. Os últimos dados mostram um aumento da pobreza e da extrema pobreza no país. Infelizmente, voltamos aos números de dez anos atrás.”

A questão do retrocesso foi citada logo na abertura da conferência por José Graziano, diretor-geral da FAO, em vídeo.  “O Brasil enfrenta retrocesso em muitos programas que tiraram o país do Mapa da Fome. Confio que essa conferência vai apontar caminhos para reverter esse processo.”

Patrick Carron, presidente do Painel de Especialistas de Alto Nível do Comitê Mundial de Segurança Alimentar, sediado na França, afirmou que uma das formas de alcançar o desenvolvimento sustentável e uma alimentação saudável é aproximar os meios rural e urbano. “Muitas vezes consideramos o desenvolvimento urbano como uma falha do meio rural. Está errado. É preciso um pacto de interconexão rural e urbano. Vivemos uma epidemia de sobrepeso e obesidade que demanda uma transformação de todo o sistema alimentar visando sustentabilidade e justiça social.”

Falando sobre a contribuição dos camponeses e da agricultura familiar para a segurança alimentar, Jan Douwe van der Ploeg, especialista em sociologia rural e professor de processos de transição na Europa da Universidade de Wageningen, na Holanda, disse que as cidades só podem ter suas necessidades alimentares satisfeitas se tiverem uma zona rural dinâmica.  “Hoje os grandes impérios alimentares destroem essa relação cidade-campo e geram uma pobreza alimentar.” Segundo o pesquisador, o campesinato deve resistir à pressão das grandes empresas alimentares que degradam o meio ambiente com sua forma de produção predatória.

As conclusões da conferência serão editadas em uma carta aberta, que será publicada nos anais do evento.

*A jornalista viajou a convite da 3ª Conferência Internacional Agricultura e Alimentação em uma Sociedade Urbanizada

Fonte: revistagloborural.globo.com