Gastronomia: um canal para a sustentabilidade e o desenvolvimento social

Fonte: ECONomia

A gastronomia é definida como a “prática e conhecimentos relacionados com a arte culinária” e ainda “o prazer de apreciar pratos”. De origem grega, a palavra mostra que é antiga a relação da sociedade com o alimento e suas infinitas possibilidades de preparo. Afinal, a comida é necessidade, prazer, cultura e parte da memória afetiva de cada um.

Com o avanço das técnicas na agricultura e pecuária, a produção de alimentos cresceu exponencialmente e trouxe mais segurança e conforto para o ser humano. No entanto, isso não foi o suficiente para garantir a nutrição adequada para todos. A Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que hoje cerca de três bilhões de pessoas não têm uma alimentação adequada, seja por desnutrição ou obesidade. O atual modelo de produção também traz consequências negativas para o meio-ambiente: a produção de comida é a primeira fonte de perda de biodiversidade. Além do desmatamento, produtos agrícolas constantemente usam quantidades massivas de agrotóxicos para aumentar a produtividade, mas que acabam poluindo e prejudicando à saúde humana.

Além disso, novos desafios serão enfrentados pelas próximas gerações dentro dessa questão. Em uma realidade de crescimento populacional mundial – projeções da ONU apontam que seremos nove bilhões em 2050 – uma das grandes preocupações é o suprimento de alimentos. No entanto, as estatísticas comprovam que o problema não está na falta de produtos: cerca de um terço de toda a comida produzida mundialmente é desperdiçada. A perda representa mais de um trilhão de dólares. Só no Brasil, são 40 mil toneladas por dia, de acordo com o World Resources Institute (WRI).

 Uma das formas de combater essa realidade é o uso integral do ingrediente. O que geralmente é visto como resto – cascas, sementes e raízes – pode ser a base de uma receita nutritiva e deliciosa. Trabalhar com a ponta da cadeia para reverter os dados de desperdício apresentadas acima e, ao mesmo tempo, incentivar o empreendedorismo local foi o insight da Electrolux em sua iniciativa “Gastronomia Sustentável”.

A cidade de Curitiba foi o primeiro piloto desse projeto, que pretende se expandir globalmente e se realizou com o apoio de parceiros como AIESEC, Fundação de Ação Social (FAS) Curitiba, Sodexo e outros. A Electrolux ofereceu dez semanas de aula de gastronomia e culinária para 18 moradores selecionados pela FAS da cidade. O curso, ministrado por renomados chefs, era voltado para trabalhar o combate ao desperdício, comida saudável e empreendedorismo. O projeto usou mais de 350 kg de ingredientes e mais de 95% de toda essa quantidade foi aproveitada durante os preparos.

Valmir Buscarioli, vice-presidente de Recursos Humanos da Electrolux para América Latina, conta que serão formadas mais duas turmas, totalizando mais de 60 pessoas capacitadas. Para o executivo, a parceria foi um ponto-chave para atingir os resultados do programa. “Ninguém faz nada sozinho. A questão de se juntar em torno de um projeto em comum potencializa os resultados. A recomendação é essa: ter uma missão, um propósito, se juntar com pessoas que pensam como você e fazer acontecer”, recomenda.

O executivo afirma que o projeto superou as expectativas e salientou que alguns dos formandos já têm oportunidades de trabalho. A ideia da empresa é manter o contato constante com todos os participantes e acompanhá-los pelos próximos meses, a fim de entender o impacto da ação na vida de cada um.

Para Graziele dos Santos e Simone da Silva, duas formandas, o curso foi a oportunidade de aprimorar as técnicas e ter uma nova oportunidade de obter renda. Simone conta que estava desanimada, já que tinha sido dispensada do serviço. Apesar de cozinhar em casa, ela reconhece que não conhecia as técnicas de reaproveitamento – e isso vai significar economia e renda. Simone começará a fazer receitas para eventos e sob encomenda, e já tem um pedido: o bolo de casca de abacaxi, uma das receitas que mais a surpreendeu.

Graziele sempre gostou de mexer com cozinha e inclusive já teve um quiosque de lanches – um empreendimento que pretende reabrir após as aulas teóricas e práticas. “Nunca imaginei que com uma cenoura com mais tempo em casa e uma cebola murcha dava pra fazer um caldo – coisas que a gente jogava fora e que reaproveitando podemos fazer fundo de caldo e substituir os comprados”, relata. “Para nós, foi uma oportunidade pra gente futuramente montar um negócio para ter renda, um trabalho registrado… Para gente ter sucesso. Acho que o céu pode ser o limite. Se você tiver força de vontade, você chega bem mais longe”.

Gabriela de Carvalho, chef proprietária do restaurante Quintana, foi professora da primeira turma. Seu estabelecimento em Curitiba trabalha com diversos aspectos relacionados à sustentabilidade: o uso de produtos da estação, gestão de resíduos com compostagem no próprio local, captação de água de chuva e cultivo de abelhas. A especialista vê o Brasil como um país farto e com possibilidades na área, mas que ainda tem uma execução fraca e uma cultura alimentar enfraquecida.

Dar aulas para pessoas que não tinham tanta experiência e técnica foi um desafio e um aprendizado para a profissional. “O curso era uma oportunidade única para essas pessoas, elas não teriam outra oportunidade como essa. E é onde o projeto fica mais bonito, quando vemos esse resultado e que as pessoas podem levar isso para casa, para sua comunidade. É o resultado dessa transformação que vale: a alimentação como um canal de forma sustentável e equilibrada”, avaliou.

A chef Morena Leite, embaixadora do projeto, entende que a conscientização e o conhecimento são duas poderosas ferramentas para transformar a gastronomia. Entender como o ingrediente é plantado, transportado e consumido é essencial. No Brasil, ela destaca a questão do transporte como uma grande questão da cadeia produtiva de alimentos: “É surreal pensar que uma manga da Bahia vem para o Ceasa em São Paulo para voltar para o supermercado da Bahia”, pontua.

Além do melhor aproveitamento de ingredientes, Leite destaca ainda o respeito à sazonalidade, o trabalho com ingredientes do próprio local e a redução no transporte como questões que precisam ser trabalhadas. “A identidade de um povo é transmitida pela maneira como as pessoas comem. A comida entra muito fácil na memória afetiva. Trabalhar de maneira afetiva e sustentável é empoderar esse projeto de maneira rica”, conclui.

 

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