Fonte: WWF
Por Clarissa Presotti
Mas eles são altamente prejudicados pelas interferências que os vizinhos fazendeiros fazem ao clima. Segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA), desde o início da década de 80 até hoje, cerca de 6 milhões de hectares foram desmatados no entorno do Parque Indígena do Xingu.
Em 2010, incêndios florestais atingiram 10% do território da reserva. Para os indígenas, cada vez mais o calor afeta as plantações, mata e afasta os animais, mexe com o dia a dia da floresta.
E as alterações do clima não se confirmam apenas pela ciência. Um grupo de indígenas foi à Câmara dos Deputados contar como as mudanças climáticas estão interferindo em seus modos de vida. Eles participaram de um seminário nesta terça-feira (3) na Comissão de Meio Ambiente sobre as “Percepções e experiências dos Povos Indígenas no Contexto das Mudanças Climáticas”.
O evento reuniu líderes dos povos Yanomami, Krenak, Baniwa, Bororo, Wajãpi, Kaxinawa, Apinajé, Taurepang, entre outros.
Para Davi Kopenawa Yanomami, um dos mais respeitados líderes indígenas brasileiros, a mudança do clima já é considerada uma epidemia pelo seu povo. “Percebemos que muitos índios estão morrendo, mas pela responsabilidade do homem branco que vai queimar nossa floresta”.
Kopenawa, que foi premiado pela ONU, destacou que mesmo com a trovoada não tem chovido nas suas terras. E antes a água era anunciada pelo trovão, mas vários desses indicadores que estão deixando de funcionar. “Mas os não-índios também estão sofrendo pelas alterações do clima”.
Na avaliação do líder indígena Ailton Krenak, doutor honoris causa da Universidade Federal de Juiz de Fora, os conhecimentos tradicionais dos índios são fundamentais para a preservação das florestas. “O nosso povo, por antiguidade, desenvolveu formas de percepção do ecossistema, dos ambientes onde vivemos. Essa memória confere com os relatórios do IPCC e está muito presente no pensamento, mas pouco no nosso coração”.
Segundo Krenak, as pessoas estão tomando esses relatórios como se fossem só estatísticas e não um indicador de que estamos perdendo qualidade de vida, e perdendo também a nossa profunda relação com a terra”.
A coordenadora do Departamento de Gestão Territorial e Ambiental do Conselho Indígena de Roraima, Sineia do Vale, contou que há um estudo que demonstra que eles já têm percebido alterações por causa das mudanças climáticas.
“Isso tem afetado o modo de vida da comunidade. Perdemos a variedade de peixes porque a temperatura da água aqueceu mais que o normal”, alertou Sineia, que é do povo indígena Wapichana.
Sineia representa a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) dentro do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas. Ela avalia que as mudanças do clima não têm afetado só localmente, mas todo o planeta.
“Precisamos levar a importância de manter as florestas e as terras indígenas para as instâncias de governo, tanto nacionalmente como internacionalmente. E cobrar dos países o cumprimento do Acordo de Paris. A luta não é só dos índios, mas de todos os povos”, ressaltou Sineia.
O presidente da comissão e autor do requerimento para o debate, deputado Nilto Tatto (PT-SP), destacou que a relação especial dos índios com a natureza tem muito a contribuir com a meta assumida pelo Brasil de zerar o desmatamento até 2030.
“Temos que reconhecer que os povos indígenas são o principal parceiro da conservação das florestas no Brasil. Só 3% das terras indígenas têm desmatamento, menos até do que em unidades de conservação. E o desmatamento é um dos principais fatores de emissão dos gases do efeito estufa”, lembrou Tatto.
Mais de quinze indígenas foram ouvidos no seminário, que servirá de subsídio para a delegação brasileira que vai participar da COP 23, a nova conferência internacional do clima, prevista para novembro, na Alemanha.
Estudo
Durante o seminário também foi citado um estudo realizado pelos indígenas do Alto Rio Negro, mais especificamente do Rio Tiquié, que identificou com precisão os ciclos de vida de peixes, animais, plantas e cultivos, entre outras atividades de manejo praticadas nas comunidades.
Os pesquisadores indígenas vêm coletando informações que podem indicar mudanças climáticas e como elas impactam os ecossistemas locais (saiba mais).
Ameaças
As lideranças também apontaram que estão sofrendo diversos ataques no Legislativo contra os direitos constitucionais dos povos indígenas, principalmente para que sejam alterados os processos de demarcação e exploração de suas terras.
Para Estevão Bororo, que faz parte do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC), esse é um momento de reflexão e de luta pelos direitos. “Os nossos direitos estão garantidos na Constituição Federal e na Convenção 169, que assegura a consulta aos indígenas sobre suas terras. A nossa luta não começou em 88 e sim há mais de 500 anos”.