As Nações Unidas já não querem mais somente chamar atenção, em seus encontros anuais, para as mudanças climáticas, enorme desafio que a humanidade está enfrentando. Antonio Guterres, atual Secretário-Geral da instituição, deu uma mensagem assertiva para o embaixador da próxima Assembleia da ONU, Luis Alfonso de Alba. Na reunião, que vai acontecer em setembro em Nova York, é preciso abrir espaço também para autoridades locais. Guterres reconhece que um ator exclusivo não pode fazer muita coisa sozinho, e que será preciso trabalhar com quem oferece soluções transformadoras, audaciosas. Por isso, a expectativa é de que a cúpula de setembro da ONU será muito diferente das outras.
A mensagem foi dada por Alba, hoje pela manhã, na plenária do 11º Congresso Mundial de Câmaras de Comércio que reuniu, nos últimos três dias, mais de mil participantes de cerca de cem países num hotel na Barra da Tijuca. Não foi a primeira vez que o Congresso pôs a questão das mudanças climáticas em debate. Mas, pela primeira vez, os representantes assinaram uma espécie de pacto coletivo, que chamaram de “Coalizão climática”, em que apoiam o Acordo conseguido em Paris em 2015 para baixar as emissões a ponto de manter o aquecimento em 1,5º até 2050.
“Tem que ter planos, não só discurso. Afinal, a tecnologia está do nosso lado e já identificamos as metas. É preciso, agora, garantir que tenhamos o apoio dos cidadãos. A reunião vai ter que ser realista, nosso objetivo não pode ser mais somente levantar bandeiras a favor da diminuição do uso dos combustíveis fósseis. Neste processo, as pessoas são importantes, tanto quanto as empresas. Todos precisam se movimentar na direção da implementação dos planos. Até agora só cobrimos um terço do caminho proposto pelo Acordo de Paris. Faltam dois terços e isto é muita coisa”, disse o embaixador Luis de Alba para uma plateia que reuniu pelo menos 500 pessoas no auditório do hotel.
Como se sabe, os números dos desastres provocados pelas mudanças climáticas não deixam dúvidas sobre a urgência de se tomar providências concretas para mitigar os danos e se preparar para os próximos eventos. Raul Salazar, chefe da Secretaria do Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNDRR) para as Américas e o Caribe, com sede no Panamá, também usou seu tempo de fala na primeira plenária de hoje do Congresso para alertar sobre um fenômeno específico: a humanidade conseguiu avançar na redução de riscos de mortalidade causada pelos eventos extremos, mas está enfrentando perdas econômicas por causa deles.
“Não fizemos ações suficientes para evitar que em duas décadas (1997 a 2017) 1,3 milhão de pessoas tenham sido mortas e 4,4 milhões tenham perdido suas casas ou tiveram que migrar por causa dos desastres ambientais. E 91% desses desastres são secas e tempestades causados pelas mudanças do clima. A forma de lidar com o risco é importante”, disse Salazar, lembrando que é tempo de o público e o privado atuarem juntos.
Pois sim, e já não é sem tempo. Enquanto eu ouvia as falas dos oradores não pude deixar de me lembrar de outros inúmeros encontros que tenho assistido nessas quase duas décadas em que me dedico ao tema. E os discursos têm sempre um tom de emergência, como deve ser. Mas é uma emergência que vem durando muito tempo já.
E eu estava ali, num Congresso de Câmaras de Comércio do mundo inteiro, pensando sobre esta recorrência. Até mesmo se enxergarmos a questão somente sob o ponto de vista econômico é difícil entender a lentidão de ações climáticas.
“É preciso lembrar que depois de um grande desastre natural nos Estados Unidos só 20% das pequenas e médias empresas conseguiram reabrir suas portas”, lembrou ainda Salazar.
Perguntei ao chairman deste Congresso, Hamad Buamim, que também preside a Câmara de Comércio e Indústria de Dubai e a Federação Mundial das Câmaras de Comércio, como seria possível simplificar as ideias para que elas possam ser executadas:
“Sim, todos têm grandes ideias, todos acreditam nelas, mas é preciso trabalhar nelas”, disse ele.
Estendi a conversa e perguntei sobre a possibilidade de se pensar em reduzir a produção. Ele admite que é uma conversa antiga, mas acredita fortemente que as próximas gerações serão capazes de mudar muita coisa. Porque os jovens pensam diferente:
“Talvez seja uma conversa antiga, mas nem todo mundo ouviu. A maneira como nós compramos, a maneira como nós vendemos, precisamos cuidar mais dos meios alternativos de se fazer isso, como o uso das energias alternativas. O próximo Congresso das Câmaras Comerciais, que será em Dubai (2021), pode mostrar que estas soluções existem. Porque todo mundo fala sobre Metas do Desenvolvimento Sustentável, mas é preciso que digam exatamente o que querem que se faça: todo mundo tem grandes ideias, mas ninguém sabe como colocá-las em prática. Eu acredito fortemente na nova geração e penso que os próximos vinte anos serão diferentes”, disse-me Hamad Buani.
Mas, será que a geração nova terá ouvidos para dialogar com a geração mais velha? Esta foi uma dúvida levantada por um médio empresário da Jordânia que estava na plateia. Infelizmente não houve tempo para mais colocações, o que sempre ajuda a enriquecer qualquer encontro.
No acordo coletivo que assinaram, os representantes de Câmaras de Comércio de todo o mundo admitem que seus negócios dependem de um ecossistema global estável, saudável. E que este enorme desafio só será conseguido se todo mundo entrar no barco.
Não é uma mensagem direta, mas entendi como um forte recado ao presidente Donald Trump, que decidiu não assinar o Acordo de Paris.
Mesmo com uma sensação de já ter ouvido as mesmas coisas em outros tantos momentos, saí do hotel me sentindo mais animada do que entrei. É sempre bom que o tema das mudanças climáticas tome espaços cada vez mais importantes e seja debatido por quem pode tomar iniciativas. E o fato de a ONU estar querendo também mudar sua rotina, para abarcar cidadãos comuns nos encontros do clima, é uma boa novidade. Sigamos com o assunto em pauta.
Fonte: G1