Um estudo feito pelo Greenpeace e publicado nesta semana mostra que os oceanos estão enfrentando mais ameaças agora do que jamais enfrentaram em qualquer outro momento da história da humanidade no planeta. Mas isto não parece demover os que estão mais ocupados em extrair bens da natureza para alimentar o desenvolvimento. Embora isto ainda não esteja acontecendo, muitas empresas já receberam licença de governos para explorar minério em águas profundas. Ao todo, 29 licenças de exploração foram emitidas cobrindo uma área cinco vezes maior que a do Reino Unido, diz a reportagem no site do jornal britânico “The Guardian”.
“Abrir uma nova fronteira industrial no maior ecossistema da Terra e minar um importante sumidouro de carbono acarreta riscos ambientais significativos, especialmente à luz da biodiversidade e das crises climáticas que o mundo natural enfrenta e especificamente nosso oceano. Em vez disso, precisamos de um forte Tratado do Oceano Global que coloque a conservação, e não a exploração, no coração de como os governos se aproximam do oceano”, diz o estudo.
E, adivinhem? É claro que não estamos falando somente das vidas marinhas, porque a saúde dos oceanos está intimamente ligada à própria sobrevivência da espécie humana, lembrou Louisa Casson, ativista do Greenpeace.
A imagem que se pode ter, caso as licenças, emitidas pela Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA na sigla em inglês), forem realmente usadas, é a de máquinas pesadas colocadas no fundo do mar para explorar cobalto e outros metais raros. Se o cenário em terra já é difícil de se ver, pela mais do que aparente agressão ao meio ambiente, imaginem em alto mar.
“Ao impactar em processos naturais que armazenam carbono, a mineração em águas profundas pode até piorar a mudança climática ao liberar carbono armazenado em sedimentos do fundo do mar ou ao interromper os processos que ajudam a ‘coletar’ o carbono e entregá-lo a esses sedimentos. Sabe-se que os sedimentos do mar profundo são um importante reservatório, a longo prazo, de ‘carbono azul’, o carbono que é naturalmente absorvido pela vida marinha, uma proporção da qual é transportada para o fundo do mar à medida que essas criaturas morrem. Vozes do setor pesqueiro também estão se unindo a grupos ambientais para alertar sobre os riscos severos para a pesca, amplificando os pedidos por uma moratória na mineração em águas profundas”, relata o estudo do Greenpeace.
Mas, por que uma agência da ONU está abrindo chance para se expandir a mineração para o alto mar se a organização tem estado tão preocupada com os limites da humanidade na exploração do planeta em benefício próprio? Porque a agência ligada à prática tem limites de mandato, ou seja, não pode lidar com o sistema de regulação dos oceanos, que hoje é fragmentado. E, segundo denuncia o Greenpeace, não tem tido uma gestão ambiental adequada:
“A ISA nunca recusou um pedido de licença, mesmo para explorar locais de grande importância ecológica, como a Cidade Perdida, perto da Cordilheira Média Atlântica, que foi identificada como uma área ecologicamente importante sob a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica e que atende aos critérios. para o status de Patrimônio Mundial da Unesco. Isso destaca a necessidade de os governos chegarem a um acordo sobre um forte Tratado do Oceano Global na ONU no próximo ano, para colocar a proteção no centro da gestão das águas internacionais”, esclarece o relatório do Greenpeace.
O forte Tratado teria como incumbência não só capacitar governos para criarem santuários oceânicos em todo o mundo, protegendo a vida marinha de múltiplos atividades extrativistas, mas também fornecendo regras globais e padrões elevados para proteger a vida marinha de indústrias mais prejudiciais que procuram saquear os oceanos. Se já foi difícil conseguir um Acordo como o de Paris, que limita as emissões para que o planeta não aqueça mais do que 1,5º , imaginem como será complexo um tratado entre países para proteger os oceanos.
Lembrei-me de uma entrevista que fiz em março de 2012 – para o suplemento Razão Social, que eu editava no jornal “O Globo” – com Sylvia Earle, bióloga marinha e exploradora, hoje com 83 anos, que já passou mais de seis mil horas debaixo dágua fazendo pesquisas marinhas. Ela era uma das palestrantes do Forum Mundial de Sustentabilidade que estava acontecendo em Manaus e falou de forma muito emocionada, alertando para o fato de estarmos fazendo a vida marinha virar commodity.
“Os peixes não têm valor quando estão nos mares, só depois de mortos. É mais ou menos como se déssemos valor às árvores somente depois de arrancá-las do solo”, disse ela à época.
Imaginem o que diria Earle hoje, ao saber que, mais do que peixes, já se está pensando em tirar minérios do fundo do mar.
A questão que faz o assunto ficar ainda mais complexo é que os defensores da mineração em águas profundas defendem a prática como uma forma mais sustentável de retirar os minérios que a indústria necessita. Segundo a reportagem do “The Guardian”, a indústria diz que a mineração em águas profundas é essencial para extrair os materiais necessários para a transição para uma economia verde:
“A mineração em águas profundas é menos prejudicial ao meio ambiente e aos trabalhadores do que a maioria das operações minerais e de mineração existentes”.
No entanto, para os ambientalistas, esta não é uma única realidade. Chris Packham, ouvido pelo Guardian, constata que será uma ameaça para os oceanos:
“Já vimos a enorme destruição devastada em nosso planeta por corporações que mineravam em terra. Estamos realmente preparados para dar sinal verde ao setor de mineração, expandindo-se para uma nova fronteira, onde será ainda mais difícil examinarmos os danos causados?”, pergunta-se ele.
O sinal amarelo está aceso. Os ambientalistas estão avisando. Mas, como sempre acontece na batalha entre a preservação e o desenvolvimentismo, este será um debate árduo.
Fonte: G1