Fonte: Somos Verdes
Problemas na geração de energia, inundações e até proliferação de mosquitos que transmitem doenças. Preocupações que pareciam estar num futuro distante, mas agora apresentam-se diante dos brasileiros.
Enquanto a discussão sobre os impactos da mudanças climática no mundo entram em sua segunda e última semana em Paris, a BBC Brasil conversou com especialistas para saber os potenciais impactos do aquecimento global e de mudanças ambientais no Brasil.
Apesar das incertezas na área e de as avaliações envolverem diferentes fatores, o grupo afirma que já é possível identificar “sérios problemas” em ao menos cinco áreas: agricultura, temperaturas, Amazônia, nível do mar, e nos setores hídrico e energético.
“São ao menos 5 milhões de pessoas morando próximo à costa e em periferias. Com o clima mais quente, haverá mais doenças, e as ondas de calor afetarão mais as áreas urbanas”, diz o climatologista Carlos Nobre, também presidente da Capes (que coordena os programas de pós-graduação no país) e membro do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU).
Saiba mais sobre as cinco áreas de preocupação para os especialistas:
1) Crise hídrica e energética
A seca que tem afetado profundamente o abastecimento de água da cidade de São Paulo pode ser um prenúncio dos graves problemas a serem enfrentados no futuro pelo Brasil com o desequilíbrio do sistema de chuvas no país.
O país, que já sofre com problemas no setor, pode ficar ainda mais vulnerável, afirma Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético da COPPE/UFRJ, chefe da seção de energia elétrica do relatório “Brasil 2040” (relatório sobre mudanças climáticas de autoria da extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência) e membro do IPCC.
“O nosso estudo mostrou que, dada a grande dependência brasileira da eletricidade gerada por hidrelétricas e dados que os cenários climáticos futuros para o Brasil apontam uma tendência de maiores secas no Norte e no Nordeste do país e mais chuvas no Sul, estamos muito vulneráveis”, avalia o especialista.
Ele ressalta a necessidade de mais fontes alternativas, como usinas térmicas (a gás, carvão ou bagaço de cana, algumas bastante poluentes), além da produção de energia solar e eólica.
Questionado sobre o tema, o Ministério de Minas e Energia (MME) disse à BBC Brasil que o governo vem investindo em fontes alternativas de energia e tem como meta reduzir para 66% a participação de hidrelétricas no sistema até 2030. Para o período 2015-2018, o governo diz já ter contratado a implantação de 557 usinas de diversas fontes, com capacidade instalada de 40 mil MW, dos quais 80% são energias renováveis.
2) Amazônia
“A floresta funciona como um banco de gás carbônico. É uma das formas com as quais ela ajuda a regular o clima”, explica Paulo Brando, pesquisador do Instituto Ambiental da Amazônia (Ipam), entidade independente criada há 20 anos. Já há indícios da perda do estoque de gás carbônico (CO2) absorvido pela floresta devido às secas de 2005 e 2010.
“Só em 2010, com os impactos de menos chuvas na região, estima-se que 2 bilhões de toneladas tenham sido perdidos nesta ‘poupança’, que tem no total entre 100 e 120 bilhões de toneladas de CO2”, diz.
A quantia perdida equivale ao total de emissões de gás carbônico dos Estados Unidos em um ano, e já teria tido um impacto sobre o ciclo de carbono do planeta.
Segundo o especialista, a associação entre o desmatamento, as temperaturas mais altas e menos chuvas faz com que a floresta torne-se cada vez mais vulnerável, com maior mortalidade de árvores e risco de incêndios florestais, além do impacto sobre a regulação do clima e a estocagem de CO2.
“Conforme você reduz o desmatamento, diminui-se a intensidade dessa combinação de fatores, e empurra-se esse processo para mais tarde. Mas já há indicações de que a floresta esteja mudando seu comportamento, tanto no ritmo de morte e crescimento da vegetação quanto na composição das espécies, além das funções básicas da floresta”, avalia.
3) Agricultura
A agricultura brasileira, tida como um dos setores mais avançados na adaptação às mudanças climáticas, deve ser uma das mais afetadas por perdas futuras devido ao clima.
Segundo Renato de Aragão Rodrigues, biólogo com doutorado em geoquímica pela UFF que ajuda a coordenar o trabalho de 400 pesquisadores da Embrapa focados em mudanças climáticas, há um esforço para tentar diminuir os impactos.
“Já temos o café sombreado, pois com a elevação das temperaturas precisamos combinar o plantio com outra cultura, que faça sombra. Temos ações de melhoramento genético, que não significa necessariamente tornar o cultivo transgênico, e outras linhas de pesquisa”, explica.
Em alguns Estados, como Mato Grosso, já se sente o impacto da mudança das chuvas.
“Produtores dizem que tradicionalmente em meados de setembro já começava a chover por lá. E neste ano atrasou muito. Nos últimos três anos eles só têm conseguido plantar no início de novembro. Isso atrasa todo o ciclo do cerrado brasileiro, intercalando soja, milho e a braquiária (capim) para os animais”, explica.
“Não sabemos se (isso se deve) a uma variação normal ou às mudanças do clima, mas o fato é que já temos uma série de problemas hoje, que demandam adaptações”, diz Rodrigues.
4) Nível do mar
Segundo os dados do IPCC, da ONU, o nível do mar já se elevou em 20 cm em média, em todo o planeta. Naturalmente, o dado é válido também para o Brasil.
Para a geóloga Célia Regina Souza, doutora em geologia sedimentar pela USP e pesquisadora do Instituto Geológico da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, entre os principais efeitos no Brasil estão a erosão de praias, ressacas cada vez mais frequentes e mais intensas, ondas mais altas e inundações costeiras.
“Além disso, em áreas como a Baixada Santista, no Estado de São Paulo, e a Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, o efeito é que a água dos rios tende a não conseguir escoar para o mar, e este represamento será cada vez mais frequente, elevando o número de inundações”, explica.
Entre as áreas mais vulneráveis da costa brasileira estariam o Estado de Santa Catarina, a região de Santos e Guarujá, em São Paulo, o Estado do Rio de Janeiro e Recife.
Ela cita a necessidade de o governo estudar a implementação das medidas de adaptação, como a “engorda artificial” (expansão da faixa de areia) de praias, a realocação das populações em situação de risco e a fortificação (reforçando a costa estruturalmente).
5) Temperaturas
Carlos Nobre, membro do IPCC, diz que, segundo a ONU, a temperatura do planeta como um todo já se elevou em 0,8ºC por causa do aquecimento global – valor que pode ser ainda maior dependendo do local.
Ele cita temperaturas recordes no Brasil recentemente, como os 36,4ºC registrados em outubro em Brasília, a mais alta em 54 anos.
“Nas áreas urbanas, como São Paulo, podemos somar mais 2,5ºC a 3,5ºC por conta dos efeitos da urbanização. Na zona norte do Rio de Janeiro podemos falar em mais 2ºC a 2,5ºC, além dos 0,8ºC. Onde tínhamos Mata Atlântica, podemos somar mais 0,5ºC devido à mudança do perfil de vegetação”, avalia.
Entre os principais impactos destas alterações, segundo Nobre, estão as ondas de calor, que devem se tornar mais frequentes e afetar sobretudo os mais idosos. Além disso, o clima mais quente deve favorecer a proliferação de vetores de doenças, como mosquitos.
“Outro impacto deve ser a intensificação dos efeitos das secas. Uma seca ocorre por falta de chuva, independentemente da temperatura. A questão é que, se você tem uma seca associada a altas temperaturas, seus impactos são intensificados”, diz.
“Mesmo que consigamos não passar dos 2ºC no aumento da temperatura do planeta, como se pretende com as conferências da ONU, já teremos impactos muito graves sobre o clima. Estima-se que mesmo que todas as emissões fossem interrompidas hoje, em 100 anos chegaríamos a um aumento de 1,3ºC ou 1,4ºC na temperatura do planeta”, diz.