Cresce o número de empresas compradoras de commodities que, além do “não desmatamento”, assumiram compromissos de respeito aos direitos humanos. Leia mais sobre desmatamento nesta edição especial
As maiores multinacionais do planeta que compram commodities agropecuárias e florestais do Brasil assumiram compromissos públicos de não comprar matéria-prima produzida causando desmatamento ou desrespeitando os direitos humanos. Como consequência, passaram a incluir critérios sociais e ambientais em suas relações comerciais com fornecedores. Essa agenda foi impulsionada pelas preocupações de consumidores, governos e Organizações Não-Governamentais (ONGs) com o desmatamento em países tropicais, de forma que os processos desenvolvidos pelas empresas inicialmente enfatizaram questões ambientais.
Cada vez mais a atenção está voltada para os impactos da produção de commodities sobre as pessoas – sejam produtoras/produtores, funcionárias/funcionários ou comunidades. Ao combinar a implementação de políticas ambientais e sociais, as empresas em diferentes elos da cadeia agroindustrial podem aumentar a eficiência do processo, economizar recursos, reduzir a exposição a uma gama maior de passivos e exercer um impacto positivo mais amplo na cadeia de fornecimento, com benefícios claros para o meio ambiente e para pessoas.
Desmatamento
Existe uma preocupação de que o agronegócio seja responsável por ao menos dois terços do desmatamento tropical no planeta. Com isso, muitas empresas se comprometeram a reduzir os impactos ambientais de suas cadeias de suprimento de commodities. Essas empresas assumiram compromissos sobre as compras globais de soja, carne bovina, madeira e óleo de palma livres de desmatamento. A produção brasileira, por conseguinte, não está isenta do atendimento a esses compromissos.
Pesquisas têm observado que os compradores globais de commodities, como grandes marcas e fabricantes de alimentos, estão implementando uma série de atividades para atender a essa agenda. Uma delas consiste no engajamento direto com fornecedores para rastrear os produtos desde sua origem e explicitar possíveis problemas na cadeia. As empresas também têm desenvolvido processos de análise de risco (muitas vezes empregando tecnologia geoespacial) para entender onde pode existir maiores riscos de violação de suas políticas de compra. Para acompanhar o progresso e implementar novas ações quando necessário, o monitoramento e o relato externo do progresso são cada vez mais comuns – elemento-chave para que as empresas compradoras sejam transparente com suas partes interessadas sobre os sucessos e os desafios no cumprimento das metas cristalizadas em suas políticas de compra ou planos de ação.
Compradores internacionais estão usando uma gama de ferramentas e abordagens para implementar as políticas que vão além do engajamento direto com os fornecedores brasileiros (e de outros países). Há um maior entendimento dos problemas sociais e ambientais que ocorrem junto à produção e entende-se que varejistas, fabricantes de alimentos e traders precisam fazer parte da solução, e não apenas solicitar aos produtores que aumentem os seus custos.
Especificação do produtoAs empresas compradoras especificam critérios sociais e ambientais que devem ser atendidos na produção das commodities, exigindo evidências do seu atendimento. Atualmente, isso ocorre com mais frequência por meio de certificação e algumas vezes por meio da evidenciação da legalidade na produção. | Iniciativas em nível de paisagemEmpresas compradoras podem colaborar com outras partes interessadas dentro de paisagens determinadas para apoiar a melhoria nos processos de produção e na conservação ambiental. |
Engajamento de fornecedoresAs empresas compradoras podem se engajar diretamente com os seus fornecedores, impulsionando-os a agir e a disseminar o processo até o nível de produção no campo. | Abordagens setoriaisAtores dentro de um setor (por exemplo: soja, pecuária ou madeira) podem trabalhar juntos para criar o ambiente propício para a transformação de todo o setor. |
Fonte: Proforest. Para mais informações, veja a Nota 12 do Proforest – Acelerando a implementação de compromissos de compra responsável: uma estrutura para o progresso até 2020 e além. |
Uma campanha recente da ONG Mighty Earth teve por alvo o Burger King. Segundo a campanha (mightyearth.org/mysterymeat), as empresas na cadeia de fornecimento do Burger King estão ligadas à conversão contínua de florestas e de pradarias nativas.
Direitos humanos
Além do não desmatamento, muitas empresas compradoras de commodities aderiram aos Princípios Orientadores Sobre Empresas e Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas, em que se comprometem a realizar uma diligência sobre o que compram. Isso significa que uma empresa deve considerar quando, como e onde impacta os direitos humanos, colocar essa preocupação como prioridade e agir para remediar os problemas encontrados. É perceptível nos últimos anos o aumento no número de compromissos assumidos pelos compradores globais de commodities, incluindo o de “nenhuma exploração”, juntamente com compromissos para não desmatamento em suas cadeias de fornecimento. Um relatório de 2017 da revista britânica The Economist explicita o crescente interesse das empresas em garantir cadeias de suprimento responsáveis.
Geralmente, os compromissos relacionados aos direitos humanos são traduzidos em um conjunto de critérios sociais, incluindo saúde e segurança adequadas para os trabalhadores, inexistência de trabalho forçado ou infantil, respeito aos direitos das comunidades locais e a garantia de igualdade de tratamento entre mulheres e homens. Esses critérios deverão ser atendidos ao se comprar os produtos de origem agropecuária ou florestal.
O não atendimento às condições ambientais e sociais na produção pode ter sérias repercussões nos negócios de varejistas, fabricantes de alimentos, traders e produtores:
Em 2017, a Waitrose (7ª maior empresa varejista no Reino Unido), retirou a carne da JBS de suas prateleiras quando descobriu que a empresa foi acusada de comprar gado de fazendas flagradas com trabalho escravo e desmatamento ilegal, informou o Repórter Brasil.
Obviamente, varejistas, fabricantes de alimentos e traders entendem que o desmatamento e o trabalho escravo não são generalizados no Brasil, pois grande parte do agronegócio no País é altamente sofisticada, conserva habitats naturais, respeita pessoas e promove o desenvolvimento econômico e social – o que deve ser reconhecido e valorizado.
No entanto, as cadeias de suprimento são complexas e, ao não se prestar atenção nos desvios de conduta, as empresas nos diversos elos das cadeias agroindustriais estão expostas a passivos, levando-as a buscar evidências não apenas da existência de políticas de compra, como também de boas práticas no campo. Ao não se considerar os riscos ligados as desrespeito aos direitos humanos ou desmatamento, compradores internacionais e empresas brasileiras estão vulneráveis à conexão direta ou indireta a situações terríveis, e a enfrentar perdas de reputação, de mercado, embargos ou perdas financeiras.
Em 2016, o Fórum de Bens de Consumo (Consumer Goods Forum) – organização global que reúne algumas das maiores marcas do planeta, incluindo empresas bem conhecidas no Brasil como Unilever, Mars, Carrefour, Kellogg e Nestlé, com vendas agregadas em mais de R$ 10 trilhões – anunciou uma resolução setorial contra o trabalho forçado em suas cadeias de fornecimento, após uma resolução lançada em 2010 para atingir o desmatamento líquido zero até 2020.
Os governos da União Europeia e dos Estados Unidos estão forçando cada vez mais as empresas a tomar medidas com relação aos direitos humanos – começando com a vigilância e o relato, mas também potencialmente responsabilizando-as pelo que ocorre na cadeia de suprimentos. O estado da Califórnia promulgou a Lei da Transparência na Cadeia de Suprimentos (Transparency in Supply Chains Act), em 2010. O Reino Unido aprovou a Lei da Escravidão Moderna (Modern Slavery Act), em 2015, e o parlamento francês aprovou a lei do “dever de vigilância” (Devoir de Vigilance), em 2017. Várias empresas que compram commodities do Brasil, direta ou indiretamente, têm suas matrizes localizados nessas regiões.
Recomendações para políticas de compra
Compradores internacionais, incluindo varejistas, fabricantes de alimentos e traders, estão analisando suas cadeias de fornecimento para diversas finalidades. Algumas das boas práticas recomendadas para cumprir as políticas de compra, de forma a atender propósitos ambientais e sociais, incluem:
- Engajamento direto com fornecedores: ao entrar em contato com fornecedores, as empresas compradoras podem explicitar problemas e políticas ambientais e sociais, alinhar quais serão as intervenções necessárias em ambas as vias, e em qual prazo;
- Desenvolvimento de um processo de avaliação de riscos: o que pode ajudar não apenas na compreensão de onde há maiores chances de commodities associadas ao desmatamento, mas também quais regiões podem estar sujeitas às piores violações de direitos humanos – considerando, por exemplo, queixas, relatórios independentes ou estatísticas nacionais sobre problemas sociais atrelados à produção agropecuária e florestal;
- Monitoramento e relato externo do progresso: demonstrando o quão perto (ou longe) a empresa compradora está de cumprir suas metas sobre desmatamento e sobre o respeito aos direitos humanos.
Os procedimentos de compra devem ser compatíveis com os modelos de fornecimento vigentes e descrever quais serão os benefícios dos fornecedores. Será importante descrever os benefícios quando os fornecedores tiverem o desempenho esperado (ou acima do esperado), bem como quando um fornecedor apresentar desempenho abaixo do desejado – o que inclui as condições nas quais deverão (como última opção) ser suspensos/excluídos e as condições para sua futura reintegração. Aqueles que atendem às políticas de compra devem ser valorizados, mas é preciso que haja vigilância sobre a cadeia para garantir que as piores práticas sejam eliminadas, as melhores práticas sejam promovidas e que o restante seja melhorado.
A Nestlé, por exemplo, lançou em 2017 o Roteiro sobre Direitos do Trabalho, identificando questões trabalhistas prioritárias em sua cadeia. O plano inclui questões sobre trabalho infantil, trabalho forçado, liberdade de associação e negociação coletiva, saúde e segurança. Essas questões são abordadas em um conjunto de produtos prioritários, incluindo cereais, café, cacau, laticínios, carnes, aves e ovos. A Nestlé também possui compromissos para a redução do desmatamento em sua cadeia de fornecimento, e o trabalho com fornecedores é um esforço conjunto para reduzir impactos ambientais e avaliar e resolver problemas sobre desrespeito aos direitos humanos. Em sua análise de risco de commodities e países com relação aos direitos trabalhistas (em 12 commoditiesprioritárias), o Brasil aparece como o segundo país de maior risco.
A Kellogg passou a registrar os problemas sociais identificados em sua cadeia de fornecimento de óleo de palma há alguns anos. Em 2016, a empresa divulgou um comunicado afirmando que estava trabalhando internamente e em toda a sua cadeia de fornecimento para aumentar a transparência e agir em relação aos riscos sociais. Uma equipe formada por profissionais de setores diversos foi criada, juntamente com um programa de auditorias em busca de violações nas horas de trabalho, salários e benefícios, trabalho infantil, saúde e segurança, liberdade de associação e discriminação.
Ao implementar uma abordagem que considere questões ambientais e sociais de forma conjunta, as empresas compradoras de commodities e os produtores podem se beneficiar ao:
- Reduzir a sua exposição aos passivos ambientais e sociais,
- Reduzir a sua exposição a perdas comerciais, de reputação e financeiras,
- Ser mais eficientes na implementação de suas políticas de compra responsável,
- Estar mais bem preparadas para atender às expectativas dos compradores internacionais,
- Promover mudanças positivas mais abrangentes e profundas nas regiões de onde originam commodities agropecuárias e florestais.
Contemplar questões ambientais e sociais na cadeia de fornecimento é uma estratégia sólida no esforço das empresas para o cumprimento de suas metas de sustentabilidade de transparência, responsabilidade, boa governança e lucratividade.
*Pedro Amaral trabalha como Gerente Sênior de Projetos no Proforest. Pedro é M.Sc. em Planejamento Energético com ênfase em Planejamento Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Engenheiro Agrônomo pela Universidade Estadual Paulista.
**Dawn Robinson trabalha como Diretora de Responsabilidade Social e Direitos Humanos no Proforest. Dawn é M.Sc. em Agricultura, Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade de East Anglia, M.Sc. em Silvicultura e Sua Relação com o Uso da Terra pela Universidade de Oxford e Geógrafa pela Universidade de Southampton.