Fonte: AmbienteBrasil
Quando falamos em mudanças climáticas, a maioria das pessoas pensa em consequências ambientais como aumento do nível do mar, temperaturas elevadas e derretimento de geleiras.
Em algumas partes do mundo, como o sul da Flórida ou as montanhas da Suíça, essas mudanças já estão afetando a vida diária. Em Miami, por exemplo, estações de tratamento de esgoto estão sendo reconstruídas em um nível mais alto, os quebra-mares estão sendo elevados e os estacionamentos de carros, planejados com estruturas contra inundação – não só uma resposta às de hoje, mas de olho na previsão do nível do mar no futuro.
Especialistas dizem que esses efeitos podem ser apenas a ponta do iceberg derretendo: as mudanças climáticas estão transformando tudo, das finanças até a saúde.
Como resultado, não são apenas os responsáveis pelo planejamento urbano em áreas de risco que terão de mudar seus projetos para o futuro. De agentes financeiros até fazendeiros, engenheiros civis e médicos, um número cada vez maior de profissionais verão seus mercados mudarem.
Isso significa que pode haver outra consequência da mudança climática que muitas vezes passa despercebida: o que isso significa para a sua carreira.
“Todo mundo vai precisar entender (as mudanças climáticas) da mesma forma que você assumiria que todos no ramo de negócios precisam ter alguma fluência em redes sociais hoje ou que todo mundo seria capaz de usar um computador 20 anos atrás”, diz Andrew Winston, autor do livro The Big Pivot: Radically Practical Strategies for a Hotter, Scarcer, and More Open World (“O Grande Pivô: Estratégias Práticas Radicais para um Mundo Livre Mais Aberto, Quente e Com Menos Recursos”, em tradução livre).
Transformações em curso – Já que é difícil saber exatamente quão dramáticos serão os efeitos das mudanças climáticas, é difícil saber exatamente quanto elas afetarão diferentes ramos. Mas algumas das transformações já podem ser observadas. Desastres relacionados ao clima como secas e furacões, por exemplo, estão afetando bolsos e seguradoras – com impactos em pessoas e negócios em lados opostos do mundo.
Enquanto isso, as complicadas redes de abastecimento de uma indústria de confecção globalizada indica que uma interferência em um lugar pode causar consequências em outros. Isso foi comprovado recentemente, quando terremotos atingiram o Japão em abril de 2016, causando estragos em fábricas que vendiam partes automotivas para a Toyota e forçando a empresa a suspender a produção.
Até mesmo a indústria da saúde pode ser afetada. Além de afetar a disponibilidade de água limpa e de alimentos, um clima mais quente está aumentando a vulnerabilidade das áreas cujos moradores já estão sob o risco de doenças como malária e dengue.
A recente epidemia de zika pode ter sido exacerbada por causa do clima mais quente. Entre 2030 e 2050, a Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê que as mudanças climáticas causarão 250 mil mortes a mais por ano.
“Uma das coisas mais interessantes que não se fala a respeito, mas que há muito trabalho sendo feito na OMS, é o que está chegando até nós em termos de doenças e como o clima está mudando e espalhando doenças e epidemias mais rápido”, diz Michelle DePass, decana da Faculdade Milano de Assuntos Internacionais, Administração e Políticas Urbanas na New School, em Nova York.
“Podemos ouvir a BBC falando sobre ebola e outras coisas e não entender que estamos muito, muito vulneráveis a esse tipo de epidemia aqui nos Estados Unidos também por causa do que está acontecendo com o clima.”
Aliás, este ano, o Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial, que é baseado em análises de 750 especialistas, descobriu que um dos cinco maiores riscos enfrentados pelo mundo em 2017 em termos de impacto em potencial são as armas de destruição em massa.
Todos os outros são relacionados ao clima: acontecimentos climáticos extremos, crises de água, desastres naturais de grande escala e fracasso no abrandamento e na adaptação às mudanças climáticas.
Apesar do tamanho do desafio, menos funcionários que o necessário são treinados para incorporar padrões climáticos nos seus planejamentos para o futuro, segundo Daniel Kreeger, diretor-executivo da ONG Association of Climate Change Officers (Associação Empresarial de Mudanças Climáticas, em tradução livre).
Uma das iniciativas da ACCO é organizar treinamentos e programas de credenciamento em habilidades relacionadas ao clima. “Nós não temos as pessoas certas com as habilidades certas nos lugares certos”, diz ele.
Um dos exemplos apontados por Kreeger é a engenharia civil. “Nós não esperamos ter inundações monstruosas e então seca por seis meses. Esperamos ter quantidades pequenas e periódicas de chuva. Logo, nossos sistemas não estão equipados para lidar com grandes temporais”, afirma.
“Quando esses parâmetros mudarem, você precisará de uma mão de obra para lidar com essas mudanças. Bem, nossos engenheiros civis não foram treinados para lidar com mudanças climáticas durante o treinamento. Nossos planejadores urbanos, nossos administradores de cidades, nossos arquitetos. Ninguém aprendeu essas coisas.”
Empregando o clima – Agora, as dez habilidades mais desejadas para conseguir um contrato de emprego, de acordo com uma análise de dados do LinkedIn, têm a ver com tecnologia: pense em computação em nuvem, marketing SEO e arquitetura web.
Mas da mesma forma que a tecnologia transformou a mão de obra de hoje, alguns dizem que as mudanças climáticas podem transformar o amanhã.
Uma indústria que já mostra sinais dessa evolução é a de energia. De acordo com dados do sistema de buscas de emprego Indeed, no primeiro trimestre de 2014 no Reino Unido, as ofertas de empregos no setor de energia renovável – bioenergia, geotérmica, hidroelétrica, solar e eólica – representavam um terço (32,9%) de todas as ofertas de emprego do setor de energia desse período de 2014.
Em 2017, isso aumentou para mais da metade de ofertas de todo o setor de energia, ou 51,5%.
Apesar desses números serem específicos do Reino Unido, o mesmo padrão de inclinação às renováveis tem ocorrido mundialmente, diz Tara Sinclair, uma integrante sênior da Indeed e economista na Universidade George Washington.
Essas mudanças foram o resultado de uma variedade de fatores, incluindo a queda nos preços de petróleo e a competitividade pelo gás natural: durante três anos, as ofertas de emprego de petróleo e carvão no Reino Unido caíram de dois terços (66,5%) do setor de energia para menos da metade (47,7%).
Mas também são consequência de como empregadores e pessoas buscando emprego estão se interessando em diminuir emissões e as mudanças climáticas, diz Sinclair. Depois da queda do preço de petróleo anos atrás, afirma ela, os empregos na indústria de petróleo diminuíram, assim como o interesse das pessoas que procuram empregos nesse ramo.
“Parte disso é que há menos oportunidades e as pessoas reagem ao que elas sabem que é a situação do mercado de trabalho em termos gerais”, afirma ela. “Mas também parece existir essa atratividade cada vez maior em empregos na economia verde.”
Da mesma maneira que muitas pessoas das indústrias de gás e petróleo conseguiram mudar para a energia verde, diz Sinclair, muitos empregados já deveriam ter habilidades transferíveis a assuntos específicos de mudanças climáticas, como cadeias de demanda e produção.
“De maneira geral, o planejamento de produção diversificado a respeito de fenômenos voláteis de clima será uma parte da habilidade que você deverá ter”, diz Sinclair. “Mas eu não vejo porque isso seria muito diferente de fazer planejamento a respeito de outros fenômenos destrutivos, seja ele político ou qualquer outra coisa. Eu não acho que essa seja uma habilidade que não vimos antes.”
O poder do dinheiro – Ainda não se sabe o quanto as mudanças climáticas vão afetar as habilidades esperadas de empregados em indústrias menos afetadas imediatamente pelas mudanças climáticas do que, digamos, a engenharia civil ou seguradoras.
Mas até mesmo companhias ou ramos que pareciam ser menos afetados diretamente estão se interessando pela questão. Winston, que dá consultoria para vários negócios para ajudá-los a se manter à frente de tendências globais – inclusive a das mudanças climáticas – cita a Unilever.
A megacorporação, que faz tudo desde o sabonete Dove até o picolé Magnum, exigiu ações sérias em uma variedade de iniciativas sustentáveis – incluindo ter 100% de sua energia de produção advinda de fontes renováveis até 2030 (ela já cortou suas emissões de carbono em 43% de 2008 para 2016).
Outras companhias também têm iniciativas ambiciosas: Coca-Cola, Ikea e Walmart também se comprometeram a ter 100% de energia renovável.
Pode parecer estranho empresas adotarem discursos que parecem mais com os de ONGs, mas não é. Em primeiro lugar, é atraente para os consumidores. Uma pesquisa recente da Cone Communications, uma empresa de Relações Públicas para marcas, descobriu que 87% dos americanos dizem que eles comprariam um produto por causa do alinhamento da companhia a uma questão com a qual eles se importam.
E também atrai potenciais funcionários: cerca de dois terços dos millennials – a geração que formará metade da mão de obra dos Estados Unidos até 2020 – dizem que eles levam em consideração os compromissos sociais e ambientais de uma empresa ao considerar uma oferta de trabalho.
Mas não é apenas uma questão de marketing. Como a Unilever afirma em seu site, diminuir o uso e o desperdício de energia, por exemplo, significa cortar tanto custos quanto exposição à volatilidade de preços – a empresa diz que já cortou 700 milhões de euros (R$ 2,6 bilhões) em custos somente nessa área desde 2008.
O interesse corporativo na contenção das mudanças climáticas também é, obviamente, devido à preocupação com a saúde econômica do planeta. Um estudo de 2016 apontou que o simples efeito do aumento das temperaturas sobre a produtividade dos trabalhadores, especialmente em climas quentes como na Ásia ou na África, pode custar mais de US$ 2 trilhões (R$ 6,3 trilhões) à economia global até 2030.
“A mudança nas discussões em conselhos executivos e em companhias em geral sobre clima tem sido bastante profunda”, diz Winston. “Não há uma grande companhia no mundo que não esteja falando sobre sustentabilidade ou clima. Apenas não é possível operar nossos negócios sem falar sobre isso.”
Muitos fatores podem explicar por que executivos de companhias como Goldman Sachs ou Facebook expressaram raiva em relação ao anúncio de Donald Trump sobre a retirada dos Estados Unidos do Acordo Climático de Paris. Alguns CEOs americanos, incluindo Bob Iger da Walt Disney e Elon Musk da Tesla, retiraram-se do conselho de assessoria do presidente como protesto.
Outro aspecto que mostra como as corporações não estão apenas levando as mudanças climáticas a sério, mas também valorizando habilidades relacionadas a elas, é o salário pago àqueles com esse tipo de especialidade.
Em 2016, uma pesquisa sobre funcionários trabalhando no setor de responsabilidade e sustentabilidade corporativa, a maioria deles na América do Norte ou na Europa, descobriu que o salário médio anual deles era de 61 mil libras (R$ 251 mil) – 12% dos participantes da pesquisa ganhavam 100 mil libras (R$ 412 mil) ou mais.
Até mesmo no Reino Unido, onde o salário médio estava abaixo de 57 mil libras (R$ 235 mil), a média do salário do profissional de responsabilidade corporativa era o dobro da média recebida pelo funcionário emprego em tempo integral no Reino Unido – que em 2016 ganhava 28 libras (R$ 115 mil).
Ainda assim, 64% dos mesmos profissionais do estudo tinham um mestrado ou doutorado. “Sinceramente, eles recebem menos do que deveriam em relação ao conhecimento e ao valor que oferecem”, diz o diretor da SystemiQ, Jeremy Oppenheim, no estudo.
Uma explicação, diz ele, é que “as companhias ainda não apreciam completamente o valor econômico que as equipes de sustentabilidade trazem aos seus negócios”.
Da mesma forma, diz Winston, em sua busca por funcionários em potencial, a maioria dos departamentos de recursos humanos, especialmente nos Estados Unidos, parecem ficar para trás em termos do quanto eles valorizam as competências em mudanças climáticas dos funcionários.
“Está defasado considerando o tamanho do desafio. Isso ocorre porque por muitos anos as pessoas achavam que era algo político. Você não se meteria em uma encrenca se dissesse ‘ei, todos deveriam receber um treinamento em redes sociais’, mas poderia se dissesse ‘ei, todo mundo deveria ser treinado em mudanças climáticas’”, afirma ele.
Mas, acrescenta Winston, “isso está mudando”. E essa transformação já está acontecendo, completa – com ou sem a participação dos Estados Unidos no Acordo de Paris.