Fonte: envolverde
Brasil peca no monitoramento da cadeia produtiva bovina e enfrenta ainda muitos desafios para torná-la mais eficiente
“Precisamos dar a transparência à toda a cadeia, incluindo os intermediários, para de fato limpar a produção de carne brasileira do desmatamento”. A declaração do coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais, Raoni Rajão, aponta para a difícil missão que o país precisa cumprir se quiser atingir suas metas de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) para o Acordo de Paris, firmado em 2015, na 21 ª Conferência do Clima da ONU (COP).
Dentre outros objetivos, o Brasil se comprometeu a restaurar e reflorestas 12 milhões de hectares de vegetação, além de acabar com o desmatamento ilegal. E, para Raoni, não é neste sentido que caminhamos. Ele falou ao público no debate “Economia de Baixo Carbono na Prática: Cases e Experiências Reais”, promovido pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, durante a COP 23, que se encerra hoje (17), em Bonn, na Alemanha.
O coordenador lembrou que ainda agora, dois anos depois de o acordo ter sido firmado, o país segue patinando na fiscalização da cadeia produtiva do gado. “Essa produção é ainda responsável pelo desmatamento de grandes áreas e por uma parcela significativa das emissões nacionais. E o que acontece é que, na hora de monitorar, as empresas não analisam a cadeia desde o início. Então o gado que teve origem em uma área de desmatamento passa por uma ‘maquiagem’ no meio do percurso e é vendido e exportado como uma carne limpa”, explica.
Para ele, é preciso investir na melhora desse sistema, porque “ao subsidiar a pecuária sem esses controles você também está subsidiando o desmatamento”.
Tasso Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG) lembrou que as emissões brasileiras chegaram a 2,3 gigatoneladas de gases efeito estufa em 2016, o que coloca o país no 7° lugar no ranking de maiores emissores. Ele esclarece que este volume está intimamente relacionado com a produção bovina. “Com a crise econômica a gente consome menos carne, sobra mais boi no pasto e emite mais”, diz.
Como solução, ele aponta a melhora nos processos produtivos e diz que incentivar o menor consumo de carne é, nos modelos atuais, um tiro no pé. “ A índia não come carne e tem o maior rebanho do mundo, porque exporta. O Brasil também exporta cada vez mais. Então o incentivo ao não consumo é um processo que tem que ser muito bem pensado no longo prazo. Hoje é mais importante que a pecuária continue tendo valor, para que o produtor possa investir e sair de um pasto mal manejado para um bem manejado, onde ele produz mais em menos hectares. Depois a gente pensa em diminuir produção”.
Trazendo para o debate a questão da recuperação de áreas degradadas, o presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Marcelo Vieira, destacou o papel da agricultura nesta tarefa. “Todas as regiões onde cresceu produção de grãos, de cana, cresceu em cima de pastagem degradada. Isso porque o agricultor reinveste. Então acho que a grande implantação desta NDC vai ser pelo agronegócio, por meio da restaurações de apps (Áreas de Proteção Ambiental) em propriedade privadas”, comenta.
Ainda assim, ele ressalta que o país tem desafios importantes para encarar, como a regulamentação do Programa de Regularização Ambiental (PRA). “Com o avanço do Cadastro Ambiental Rural (CAR) já temos informações. Agora já podemos seguir para a próxima etapa com esses produtores já cadastrados. O PSA (Pagamento por Serviços Ambientais) pode ser o grande driver para levar fazendeiros em áreas marginais a um negócio de restauração e prestação de serviços ambientais ”, diz.
Marcelo Furtado, facilitador da Coalizão Brasil, endossou a visão de seu xará e contou sobre o projeto VERENA (Valorização Econômica do Reflorestamento com Espécies Nativas), conduzido pela instituição. “Temos um grupo de trabalho de restauração e estamos mapeando iniciativas dos membros da Coalizão. As informações irão para uma plataforma de pesquisa e desenvolvimento. A ideia é ter um lugar onde os produtores terão ‘tudo o que eles querem saber sobre restauração e tem medo de perguntar’”, brinca e conclui desejando que “todo brasileiro vire um produtor e que, ao produzir, produza restaurando”.