As Unidades de Conservação (UCs) brasileiras são muito conhecidas por seu potencial turístico – 11 milhões de pessoas visitaram parques nacionais em 2017. Não só parques nacionais, mas todas UCs podem oferecer importantes contribuições à economia nacional. Atividades como o extrativismo sustentável de madeira, a pesca, a geração de energia e a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas são algumas das áreas que poderiam gerar mais riqueza e oportunidades de empregos no país, se houvesse mais investimento em gestão ambiental, principalmente nas Unidades de Conservação (UCs) brasileiras. Os dados são do livro “Quanto Vale o Verde: A Importância Econômica das Unidades de Conservação Brasileiras“, lançado no IX Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (CBUC), em Florianópolis.
Coordenado pela Conservação Internacional (CI-Brasil) em parceria com as Universidades Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), o livro foi financiado pelas organizações ambientais: CI-Brasil, FUNBIO, Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, Fundação SOS Mata Atlântica, Instituto Semeia e WWF-Brasil. A publicação também é apoiada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).
A publicação traz resultados de estudo sobre a contribuição que a proteção das áreas verdes pode trazer para a economia nacional a partir dos benefícios dos bens e serviços oferecidos efetiva ou potencialmente pelas UCs brasileiras, considerando todas as regiões e biomas, no período entre 2006 e 2016. Entre eles estão os produtos florestais, o uso público das áreas protegidas, o estoque de carbono, a produção de água, proteção dos solos e a geração de receita tributária para municípios.
Segundo dados analisados pelos pesquisadores, a falta de investimento em gestão ambiental faz o Brasil perder oportunidades de negócios sustentáveis a partir de suas Unidades de Conservação (UCs). Entre os anos de 2001 e 2014, percebe-se uma leve tendência de crescimento do gasto ambiental pelo Governo Federal mas, a partir de 2015, ocorre uma redução drástica de recursos.
Os cortes orçamentários atingiram a gestão ambiental com mais intensidade do que a média dos demais setores da gestão pública federal. O Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, teve orçamento praticamente estacionado no patamar dos R$ 1,2 bilhão entre 2005 e 2013, enquanto que as despesas de outros órgãos federais cresceram significativamente. Os cortes em autarquias relacionadas à gestão ambiental (ICMBio e IBAMA), por exemplo, já começam a ameaçar a continuidade de serviços fundamentais prestados por esses órgãos, como a fiscalização do desmatamento na Amazônia Legal.
“A grande expansão da atividade econômica entre 2003 e 2016 representou aumento das pressões ambientais, mas não houve crescimento significativo nas despesas em gestão ambiental no mesmo período“, destaca Carlos Eduardo Young, professor da UFRJ, coordenador do estudo.
Para Rodrigo Medeiros, vice-presidente da Conservação Internacional e professor da UFRRJ e também coordenador da iniciativa, as áreas dedicadas à conservação não são entrave ao desenvolvimento econômico e social. “O falso dilema do entrave se sustenta na significativa carência de dados e informações sistematizadas sobre o real papel das Unidades de Conservação no provimento de bens e serviços que direta e/ou indiretamente contribuem para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Com este estudo, pretendemos oferecer informações para o enriquecimento deste debate“.
Segundo o estudo, a madeira em tora é o principal produto do extrativismo no Brasil, gerando em 2016 mais de R$ 1,8 bilhão em receitas – o que corresponde a 11,4 milhões de metros cúbicos de madeira produzidas. Entretanto, a produção vem apresentando queda ao longo da última década, situação que pode estar atrelada à falta de incentivos e investimentos no setor. O contínuo desmatamento também reduz as possibilidades de aproveitamento desse recurso, e a extração de madeira teve redução de 36% entre 2006 e 2016.
A atividade extrativista é um item importante da econômica brasileira desde a sua fundação com a exploração do pau-brasil, até os dias atuais com a extração de vários produtos, em especial na região Norte. E grande parte dessa atividade é realizada dentro de UCs. No estudo, foram observados os produtos madeireiros, não-madeireiros (açaí, castanha e borracha) e pescado (peixe, camarão e caranguejo).
As oportunidades de extração sustentável parecem ser melhor exploradas com produtos não-madeireiros, ainda que com receitas menores. Destaque para o açaí, com aumento da produção de 112% entre 2006 e 2016, enquanto a produção de castanha-do-pará aumentou 20,4% no mesmo período. Na contramão, o extrativismo de borracha natural reduziu drasticamente, ficando limitado a um restrito conjunto de municípios na Amazônia. Essas atividades têm um importante impacto como complemento da renda familiar dos extrativistas, demonstrando a importância da atividade à inclusão social.
Já a atividade pesqueira tem potencial nas UCs – passíveis de extração – de R$ 562,6 milhões para o peixe, R$ 40,5 milhões para a camarão e de R$ 18,4 milhões para o caranguejo, totalizando em R$ 621,5 milhões de pescado. Essa produção real pode ser incrementada, tanto em volume quanto em receita, caso políticas adequadas sejam implementadas.
A visitação em áreas protegidas continua tendo grande destaque como elemento de dinamização econômica. Cerca de 17 milhões de visitantes foram registrados em 2016, com impacto sobre a economia estimado entre R$ 2,5 e R$ 6,1 bilhões anuais, correspondendo a uma geração entre 77 e 133 mil postos de trabalho. Se feito um incremento de 20% na visitação (mais 3,4 milhões de visitantes anuais) resultaria em um impacto econômico entre R$ 500 milhões e R$ 1,2 bilhões de reais, com aumento associado entre 15 mil e 42 mil vagas de emprego.
O estudo ainda calculou a contribuição das UCs para evitar emissões de carbono. Estimou-se que a criação das UCs brasileiras impediu a emissão de um estoque total de 10,5 GtCO2e, equivalente à 4,6 vezes a emissão bruta brasileira do ano de 2016. O valor monetário do estoque de carbono conservado foi estimado em R$ 130,3 bilhões, correspondendo a fluxos anuais de benefício por conservação entre R$ 3,9 a R$ 7,8 bilhões. Estes dados demonstram a importância do estabelecimento de esquemas de pagamento por emissões evitadas por desmatamento e degradação florestal (REDD+) que beneficie investimentos em Unidades de Conservação.
A publicação dedica quatro capítulos à contribuição do Programa ARPA, Áreas Protegidas da Amazônia, a maior iniciativa de conservação de florestas tropicais do mundo. O ARPA já apoia mais de 60 milhões de hectares, quase duas vezes a área da Alemanha. O trabalho aponta que o valor estimado do estoque de carbono conservado pelas UCs com apoio do programa chega a R$ 56 bilhões.
Outro ponto fundamental da contribuição das UCs, está no repasse de ICMS-Ecológico para municípios com UCs em seu território. A análise efetuada calculou a parcela de treze estados brasileiros. Esse valor foi estimado em R$ 776 milhões para o ano de 2015, correspondendo a 44% do fluxo total de ICMS-E transferido nesses estados. O critério contraditório e a falta de divulgação da política por alguns estados aos municípios, dificultam a efetividade deste instrumento.
Água e floresta
Em termos de proteção dos rios, as UCs da Amazônia são as que mais contribuem para a geração hidrelétrica. Contudo, as UCs da Mata Atlântica também se destacam nesse aspecto em função da grande concentração de Usinas Hidrelétricas (UHEs) nesse bioma. Estimou-se que a potência instalada beneficiada pela presença de UCs (unidades geradoras cujas bacias têm pelo menos 10% de superfície coberta por UCs) é de 47,0 GW.
Para o abastecimento humano, as UCs da Mata Atlântica têm grande destaque na captação de água (73 m3/s), visto que a maioria da população brasileira – 72% – se concentra nesse bioma. Mas a captação de água para abastecimento humano oriunda de rios que passam por UCs é também relevante na Amazônia (35 m3/s), Cerrado (10 m3/s) e Caatinga (10 m3/s).
Em termos monetários, o valor total do benefício gerado por recursos hídricos influenciados pela presença de Unidades de Conservação foi estimado em R$ 59,8 Bilhões anuais, distribuídos em termos de proteção de rios para geração hidrelétrica (R$ 23,6 bilhões anuais), usos consuntivos (R$ 28,4 bilhões anuais) e erosão evitada (R$ 7,8 Bilhões anuais).
Os dados deste estudo oferecem um importante subsídio para os diversos acordos internacionais assinados pelo Brasil. Alguns deles, como o 8º artigo da Convenção sobe Diversidade Biológica (CDB), a Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas e, mais recentemente, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), resguardam importante atenção às Unidades de Conservação (UCs). Os ODS 14 e 15, por exemplo, dedicam um conjunto ambicioso de metas à conservação e proteção dos ecossistemas costeiros, marinhos e terrestres e como estes ambientes oferecem condição para a melhoria das condições de vida no nosso planeta.
Para as organizações financiadoras da publicação, para uma mudança de cenário “é fundamental reverter o atual quadro de estrangulamento financeiro da capacidade de gestão ambiental, bem como os retrocessos de legislações ambientais e uso político de orgãos de gestão ambiental. Investir na melhoria e ampliação das UCs é uma forma de obter retornos sociais bastante superiores aos valores alocados“, finalizam.
No Brasil, espera-se o fortalecimento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), com o objetivo de cumprir as metas da CDB em um Plano Estratégico de Biodiversidade para o período de 2011 a 2020, conhecido como as Metas de Aichi. As UCs recobrem significativa parcela do território nacional, protegendo ecossistemas, espécies e meios de vida de populações tradicionais que garantem a provisão de diversos serviços ecossistêmicos essenciais para o bem-estar da humanidade. Somente na esfera federal são 333 Unidades de Conservação, que correspondem a 9% do território continental e 24% do território marinho. Ao todo, o Brasil possui hoje 2.146 UCs (1.462 de Uso Sustentável; e 684 de Proteção Integral).
Na opinião do lider da Iniciativa Florestas do WWF, Marco Lentini, o estudo é um marco da importância das áreas protegidas para o bem-estar da sociedade brasileira e mundial. “Não só de um ponto de vista ambiental – o papel destas áreas na retenção de gases de efeito estufa, na regulação do clima e na conservação dos recursos hídricos é extraordinária –, mas também de um ponto de vista econômico, uma vez que produtos como a madeira, a castanha e o turismo podem se tornar uma importante fonte de renda sustentável para as populações da Amazônia. Fica o chamado para vermos as Unidades de Conservação como um importante componente do desenvolvimento social, econômico e ambiental e fundamentais para o futuro do país”, conclui.