Fonte: The Cityfix Brasil
Vivemos um momento em que decisões políticas acabam abalando a confiança de que as nações conseguirão cumprir as metas do Acordo de Paris. Porém pesquisadores afirmam que, sim, isso ainda é possível – desde que as emissões de gases de efeito estufa (GEE) comecem a cair até 2020. Para inverter a maré que atualmente leva o planeta a riscos ambientais sem precedentes, estudiosos lançaram a “Missão 2020“, uma campanha colaborativa para promover a ação através de seis setores-chaves.
Segundo o relatório publicado na revista Nature, o mundo detém um “crédito de carbono” (uma cota do que ainda pode ser emitido) entre 150 e 1.050 giga toneladas (Gt) restantes para que ainda se possa cumprir a principal meta do Acordo de Paris – manter o aumento da temperatura média global a 1,5°C. Se seguirmos com a taxa de emissões atual, de 41 Gt de CO2 por ano, o limite mínimo desse crédito de carbono será alcançado em apenas quatro anos, e a metade dele, 600 Gt, será ultrapassada em 15 anos. No caso do limite máximo (1,050 Gt) ser atingido, as emissões teriam de ser reduzidas a zero de forma imediata – um feito inimaginável. Em outras palavras, as mudanças devem ser realizadas de forma gradual e a partir de agora.
Existem alguns sinais encorajadores. As emissões de GEE estão se dissociando da produção e do consumo. Nos últimos três anos, as emissões globais de CO2 advindas dos combustíveis fósseis mantiveram-se estáveis, enquanto a economia global e os produtos internos brutos de grandes países desenvolvidos e em desenvolvimento cresceram pelo menos 3,1% ao ano. Essa é a quarta vez nos últimos 40 anos em que os níveis de emissões permaneceram estagnados ou em declínio. Nos outros casos em que isso aconteceu (no início dos anos 1980, em 1992 e em 2009), as razões estavam associadas a crises econômicas.
De acordo com um relatório desenvolvido pela Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) e pela Agência Internacional de Energia (IEA), As emissões de carbono globais relacionadas à energia podem ser reduzidas em 70% até 2050. O crescimento dos veículos elétricos poderia substituir dois milhões de barris de petróleo por dia até 2025. E a energia solar poderia representar 29% da geração de energia global até 2050.
O estudo – desenvolvido pelo Carbon Tracker (Londres), pelo consórcio Climate Action Tracker, pelo Instituto Potsdam de Pesquisas em Impacto Climático (Alemanha) e pela Universidade de Yale (EUA) – estabeleceu objetivos a serem alcançados até 2020 em seis setores: energia, infraestrutura, transporte, uso do solo, indústria e finanças. “Essas metas, na melhor das hipóteses, podem ser vistas como idealistas. Na pior das hipóteses, irrealistas. No entanto, estamos na era da transformação exponencial e pensamos que tal enfoque desencadeará criatividade”, dizem os autores. Confira como deve ser o mundo em 2020:
Energia
As energias renováveis representam pelo menos 30% do fornecimento de eletricidade no mundo – em 2015, esse índice era de 23,7%. Nenhuma usina de carvão pode ser aprovada depois de 2020 e todas as existentes devem ser desativadas.
Infraestrutura
Cidades e estados começam a implantar suas ações para que, em 2050, se chegue à completa descarbonização de edifícios e infraestruturas. Além disso, as cidades devem atualizar pelo menos 3% do seu parque imobiliário para estruturas de emissão zero ou quase zero a cada ano.
Uso do solo
Em 2020, devem ser promulgadas políticas de uso do solo que reduzem a destruição de florestas e aumentam os esforços de reflorestamento e restauração. Hoje, as emissões líquidas decorrentes do desmatamento e as mudanças no uso da terra representam cerca de 12% do total global. Esse índice deve ser zerado na próxima década, e o reflorestamento e a restauração devem ser usados para criar um dissipador de carbono até 2030. As práticas agrícolas sustentáveis podem reduzir as emissões e aumentar a captura de CO2 em solos saudáveis e bem geridos.
Indústria
As indústrias de uso intensivo de carbono – como ferro e aço, cimento, produtos químicos, petróleo e gás – emitem mais de um quinto do CO2 mundial, sem contar as demandas de eletricidade e calor. Até 2020, a indústria pesada deve desenvolver e publicar planos para aumentar a eficiência e reduzir as emissões com o objetivo de cortá-las pela metade antes de 2050.
Transporte
Em todo o mundo, até 2020, os veículos elétricos devem representar pelo menos 15% das vendas de carros novos, um aumento importante sobre a participação atual de quase 1% dos veículos híbridos e elétricos. Também serão exigidos compromissos para a utilização do transporte coletivo nas cidades, um aumento de 20% na eficiência de combustível para veículos pesados e uma redução de 20% nas emissões de GEE por quilômetro percorrido no transporte aeroviário.
Financiamento
O setor financeiro terá repensado a forma como implanta o capital e mobilizará pelo menos um trilhão de dólares. A maior parte virá do setor privado. Governos, bancos privados e credores, como o Banco Mundial, precisam emitir muitos mais títulos verdes para financiar os esforços de mitigação das mudanças climáticas. Isso criaria um mercado anual que, até 2020, processará mais de 10 vezes os 81 bilhões de dólares de títulos verdes emitidos em 2016.
Antes que seja tarde demais
O estudo apresenta, por fim, três passos urgentes e práticos que devem ser tomados para evitar um atraso na tomada de ação. O primeiro deles é usar a ciência para orientar decisões e estabelecer metas. “Políticas e ações devem ser baseadas em evidências sólidas. A comunicação transparente e sem censura das pesquisas e descobertas científicas é crucial para os tomadores de decisão”, diz o documento. Também é recomendado que os governos nacionais falem sobre as mudanças climáticas, apoiem a ciência e incentivem discussões.
A segunda ação é colocar em prática e expandir rapidamente as soluções já existentes. Todos os países devem adotar planos para alcançar a produção de energia 100% renovável e, ao mesmo tempo, assegurar que os mercados sejam projetados para permitir a expansão das fontes renováveis.
Por último: estimular o otimismo. “Eventos políticos recentes colocaram o futuro do nosso mundo em ênfase. Mas, como antes de Paris, devemos lembrar que impossível não é um fato, é uma atitude. É essencial que as histórias de sucesso sejam compartilhadas”. A divulgação de dados e histórias de países que já estão alcançando e superando suas metas pode incentivar outros a agir:
“Sempre haverá aqueles que escondem a cabeça na areia e ignoram os riscos globais das mudanças climáticas. Mas muitos outros estão empenhados em superar essa inércia. Deixe-nos ficar otimistas e agir corajosamente juntos”