Sabe aquele provérbio que diz “não se cospe no prato em que se come”? Comumente usado para designar pessoas ingratas, que não reconhecem o bem que alguém ou algo lhe faz, o dito se aplica à realidade do investimento público brasileiro no meio ambiente e seus recursos naturais, essenciais ao sustento da vida e de várias atividades econômicas.
Apenas R$3,7 bilhões de reais compõem o orçamento para o ano de 2018 do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e suas autarquias, como Ibama, ICMBio, Agência Nacional de Águas (ANA) e Serviço Florestal Brasileiro. O valor é inferior aos R$3,9 bilhões autorizados para o ano passado e ainda menor do que os R$5 bilhões liberados (em valores corrigidos pela inflação) para o ano de 2013, o melhor da década em termos de investimento no meio ambiente.
Ao longo dos últimos cinco anos, o país acompanharia os desdobramentos de uma crise hídrica sem precedentes na maior metrópole do país e o vazamento da barragem da Samarco na cidade mineira de Mariana, ao mesmo tempo em que reduziria em R$ 1,3 bilhão o volume de recursos destinados ao financiamento de ações ambientais.
Os dados integram um amplo estudo sobre os gastos públicos em meio ambiente no país realizado pelo grupo WWF-Brasil e a Associação Contas Abertas. A pesquisa, divulgada nesta terça-feira (06), considera os gastos da União, Estados e municípios nos últimos dez anos, e aponta uma queda no investimento público provocada pelo cenário de aperto fiscal e agravada pela falta de visão política sobre a importância estratégica em se conservar o meio ambiente e os recursos naturais renováveis.
Os números revelam uma tendência de cortes em áreas como o monitoramento e fiscalização do desmatamento, a conservação da biodiversidade e a gestão dos recursos hídricos, que provêm serviços essenciais para a sociedade, como o equilíbrio climático, alimentos e água.
Uma das principais vítimas do desmonte da área ambiental foi o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, autarquia vinculada ao MMA e responsável pelas Unidades de Conservação (UCs), que viu seu orçamento cair quase pela metade —de R$ 1,25 bilhão de gastos autorizados em 2017 para R$ 708 milhões em 2018 , uma redução de 44%.
Ações orçamentárias que tratam de criação, implantação, monitoramento e projetos de manejo em áreas protegidas, começaram o ano com R$ 236 milhões, contra R$ 252 milhões liberados em 2017.
O Bolsa Verde, programa que paga R$$ 300 a cada três meses a famílias extremamente pobres e que moram em áreas protegidas, como incentivo à conservação, desembolsou R$ 61,7 milhões em 2017, ante os R$ 78 milhões de 2016 e os R$ 106,1 milhões em 2015. Segundo o estudo, a área veio perdendo recursos até desaparecer no Orçamento de 2018, por proposta do Executivo, acatada pelo Congresso.
Recursos hídricos
Essenciais ao sustento da vida e de várias atividades econômicas, os recursos hídricos também enfrentam dias de vacas magras. No ano em que o Brasil sedia pela primeira vez o Fórum Mundial da Água, que reunirá representantes de mais de cem países em Brasília no final do mês, a verba destinada para a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos caiu de R$$ 181,7 milhões autorizados em 2017 para R$$ 136 milhões, em 2018.
Pasta esquecida
Os gastos autorizados do Ministério do Meio Ambiente são inferiores ao de vários outros ministérios, representando pouco mais de 20% do Orçamento do Ministério da Agricultura ou 10% do orçamento concedido ao Ministério de Minas e Energia.
Pouco retorno
O estudo do WWF e da Contas Abertas destaca ainda que as políticas ambientais recebem uma parcela pequena dos tributos arrecadados pela exploração de recursos naturais, como água, florestas, petróleo e demais recursos minerais, que renderam mais de R$ 400 bilhões aos cofres públicos na última década, em grande parte repassados aos Estados e municípios.
A exploração de petróleo e gás é a que mais rende receitas à União entre os recursos naturais (foram R$ 353 bilhões de reais em 10 anos) mas nenhum centavo vai para o Ministério do Meio Ambiente. A maior parcela do dinheiro arrecadado é repartida pela União com Estados e municípios. A água vem na sequência, com receita arrecadada de R$ 28,7 bilhões em dez anos, dos quais cerca de R$ 1 bilhão foi destinado ao MMA.
Desigualdades regionais
O estudo também revela desigualdades nos investimentos regionais em meio ambiente. O Estado e o município de São Paulo lideram o ranking dos que mais gastaram em gestão ambiental tanto em 2016 como nos quatro anos anteriores. No Estado, quase metade (42%) dos gastos do ano passado foi para pagamento de pessoal.
No município, a maior fatia das despesas com conservação ambiental foi destinada à conservação, operação e manutenção de parques. Sozinha, a cidade de São Paulo registrou despesas três vezes maior do que todo o Estado do Pará ou 6,5 vezes o montante gasto pelo Estado do Amazonas.
Fonte: Exame