Um estudo publicado na revista ‘Science’ nesta quinta-feira conseguiu mostrar, graças a novas tecnologias, que a área coberta por rios no mundo é, no mínimo, 44% maior do que se acreditava.
No total, a superfície de rios e riachos – dos caudalosos aos mais ínfimos, excetuando-se apenas aqueles congelados – é de 773 mil quilômetros quadrados, segundo pesquisa realizada pelo Departamento de Pesquisas Geológicas da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos.
“As superfícies turbulentas dos rios e riachos são pontos naturais de intercâmbio biogeoquímico com a atmosfera. Em escala global, o fluxo de gases entre rios e atmosfera, gases como o dióxido de carbono, depende diretamente da proporção da superfície coberta pelos rios”, contextualiza o geógrafo George Allen, da Universidade Texas A&M.
“Para chegar aos resultados, utilizamos um banco de dados global de hidromorfologia e uma abordagem estatística. Mostramos que a área global da superfície dos rios é de 773 mil quilômetros quadrados, até 44% maior do que estimativas espaciais anteriores”, explica o geógrafo Tamlin Pavelsky, professor de hidrologia global da Universidade da Carolina do Norte.
Mais do que descobrir água doce de forma mais abundante, a importância científica da descoberta é outra: o estudo mostra que a rede fluvial desempenha um papel maior no controle ambiental da Terra, justamente por serem essas superfícies pontos primordiais nas trocas de carbono com a atmosfera.
Por conta de reações denominadas “de equilíbrio”, a água que corre pelos rios interage com o ar em uma série de processos biogeoquímicos. São trocas de massa e energia. Para se ter uma ideia, a liberação de gases pelos rios na atmosfera equivalem a um quinto do total das emissões combinadas da queima de combustíveis fósseis e da produção de cimento do globo.
Os rios, portanto, têm um notório papel controlador do calor terrestre.
Conta-gotas
Um parâmetro muito utilizado para determinar a importância dos rios é o volume de água que eles despejam nos oceanos. Antes, apenas dois estudos tentaram estimar a superfície total da malha fluvial na Terra.
Em 2012, o professor de Ecologia da Universidade de Iowa John Downing e sua equipe publicaram uma levantamento que chegou a duas estimativas. A mais conservadora afirmava serem 485 mil quilômetros quadrados de superfície. Na outra, o número foi de 682 mil quilômetros quadrados.
Downing realizou cálculos a partir de uma situação hipotética em que todos os rios do mundo pertenceriam a uma única rede fluvial de ramificação. Então, um software de computador pôde fazer as contas a partir de uma escala entre largura e comprimento desse suposto rio gigante. Como modelo, a pesquisa utilizou o tronco principal do Rio Amazonas.
No ano seguinte, a equipe do químico ambiental Peter Raymond, professor de Ecossistemas Ecológicos da Universidade de Yale, publicou o único estudo a estimar a variabilidade espacial da superfície dos rios. Sua estimativa foi de uma área de 536 mil quilômetros quadrados.
“Ambos os estudos anteriores são limitados pela falta de observações diretas da superfície total dos rios, pelas incertezas estatísticas dos métodos aplicados e por conta da variabilidade regional da geometria hidráulica”, aponta Allen.
No estudo publicado nesta quinta, por outro lado, foram utilizados dados de observação por satélite dos rios, com uma abordagem estatística capaz de produzir uma estimativa mais precisa da cobertura dos mesmos na superfície terrestre.
“Construímos um banco de dados chamado Global River Widths from Landsat (GRWL), que é a primeira compilação global da geometria planificada do rio a uma descarga de frequência constante”, diz Pavelsky. Para tanto, foi utilizado um banco de dados de 3.693 estações que medem variações de volumes de rios pelo mundo.
Com isto, os pesquisadores excluíram os meses com maior variabilidade positiva ou negativa do nível desses rios, principalmente no caso dos mais sujeitos à sazonalidade – e o estudo se deteve nas vazões médias.
“Adquirimos 7.376 imagens de satélite, capturadas durante esses meses da média. Aplicamos técnicas de processamento de imagens para classificar os rios e medir a localização e a largura”, explica o pesquisador.
No total, o banco de dados acumulou mais de 58 milhões de medições, sendo 2,1 milhões de quilômetros lineares de rios com pelo menos 30 metros de largura em sua vazão média anual. Na conta também entraram 7,6 milhões de lagos, reservatório ou canais conectados à rede fluvial.
Para ter certeza da viabilidade do método, os pesquisadores validaram os dados do sistema realizando algumas medições in loco em rios americanos e canadenses.
“Como descobrimos que os dados são mais precisos quanto maior a largura dos rios, na criação do modelo estatístico do software consideramos apenas os dados colhidos em rios de largura superior a 90 metros, o que significa cerca de 3 pixels das imagens de satélite”, afirma Pavelsky.
Sede
Ao compilarem os dados, os pesquisadores chegaram a uma conclusão alarmente: regiões mais desenvolvidas do globo, como os Estados Unidos e a Europa, são as que apresentam menor superfície fluvial disponível. “Isso pode ser em decorrência da retirada dessa água para uso, além de sua canalização”, observa o cientista.
O efeito pode já ser grande no descontrole ambiental, justamente pela redução das possibilidades de trocas gasosas. Mas tais hipóteses ainda precisam ser validadas em estudos subsequentes.
Com a valorização de questões ambientais e uma maior consciência ecológica, a descoberta de novos rios deve aumentar pelo mundo. E, espera-se, a população pode forçar o poder público a promover o renascimento de muitos deles.
Em São Paulo, por exemplo, o Mapa Hidrográfico do Município mostra que existem, oficialmente reconhecidos pela Prefeitura, 287 cursos d’água. Mas estimativas do geógrafo Luiz de Campos Júnior e do urbanista José Bueno, que com o projeto Rios e Ruas fazem expedições a nascentes desde 2010, são de que essa malha hidrográfica seja pelo menos o dobro.
Fonte: BBC