Não é de hoje que os cientistas veem avisando sobre a necessidade de as autoridades de todo o mundo começarem a perceber que tempestades, secas, furacões vão ser cada vez mais intensas, vão causar cada vez danos maiores aos humanos mais pobres porque o clima está mudando, o planeta está se aquecendo. A cidade do Rio de Janeiro foi vítima de um desses fenômenos, que vai acontecer com mais frequência. Seis pessoas foram mortas e os moradores de vários pontos da cidade – onde moram os mais pobres e vulneráveis – ainda sofrem com as consequências.
Devido das mudanças climáticas, as grandes cidades, sobretudo as costeiras, precisam se organizar para enfrentar eventos extremos, e isto exige um compromisso real de quem as administra. Este é o ponto. O Rio de Janeiro faz parte de uma organização chamada C40 (40 cidades que buscam melhoras maneiras de viver sustentavelmente), que se junta a outras 17 redes mundiais com um objetivo bastante específico: replicar, melhorar e acelerar as ações para adaptação das cidades às mudanças climáticas.
Até as vésperas de terminar seu mandato, o ex-prefeito Eduardo Paes era o presidente do grupo, e transmitiu o cargo para Anne Hidalgo, prefeita de Paris, em 2016. O Rio de Janeiro tem o primeiro escritório da C40 na América Latina, instalado no Museu do Amanhã.
Para se ter uma ideia, a C40 tem uma Rede de Inundação Urbana, coordenado pelas cidades Delta (Amsterdã entre elas) que conhecem bem o problema.
Reconhecer os cursos de água geográficos e gravitacionais – tanto historicamente quanto com quantidades e frequências de fluxo alterados – e reintroduzir espaços na cidade onde a água possa fluir, evaporar ou ser armazenada. Uma mistura de infraestrutura verde e cinza é crucial para gerenciar a água e fazer com que a cidade se adapte aos riscos de inundação.
Nos espaços mais atingidos pelas chuvas a cor mais visível é a cor marrom. De terra deslizada, causadora de mortes e destruição. Ignorar as pessoas que insistem em morar nos lugares de alto risco é, também, não querer reconhecer que é preciso fazer alguma coisa para tirá-las de lá com segurança. Chama-se a isto realocamento, e costuma gerar muita confusão entre quem precisa ser transferido de endereço porque, em geral, as pessoas querem ficar perto de onde sempre moraram. Com razão, em algumas vezes. Sem razão, em outras dezenas.
No caso de risco de vida – o que é diferente de realocar famílias para fazer obras – tem que diminuir as chances de as famílias dizerem não. Há hoje, numa das reportagens sobre a tragédia, o depoimento de uma parente de vítima, chamada Isabel. Ela conta que houve um pequeno deslizamento de terra em Barra de Guaratiba em 2010, e que ela própria decidiu não se arriscar mais. As pessoas que ficaram – mãe e filho – estão sendo enterradas nesta sexta-feira, e a despedida está sendo dolorosa.
Sim, precisa investimento para erguer casas populares e abrigar os que moram em regiões de alto risco. Mas precisa, antes de mais nada, de vontade política para isso. O prefeito Crivella precisa ser afetado pela necessidade de pensar a cidade que administra como um local que será atingido, cada vez mais, pelos fortes eventos climáticos que virão.
No entanto, segundo reportagem publicada no jornal “Valor Econômico” em dezembro do ano passado e assinada pelo repórter Cristian Kein e pela repórter Heloisa Magalhães, Crivella tem outros planos. Quer trazer mais investimentos peso-pesado para a cidade-vitrine e, para isso, com ajuda do governo federal, pretende “aprovar no Congresso lei que permite a abertura de cassinos no país – e que o Rio seja uma nova Cingapura para os negócios do magnata americano Sheldon Adelson”.
Pelo jeito, o Rio de Janeiro terá que esperar um pouco mais para projetos mais simples, como contenção de encostas, plantação de árvores e mais árvores para acabar com as ilhas de calor, cuidados com limpeza das ruas, dos esgotos, para evitar enchentes e realocação de pessoas que moram em locais de risco. Enquanto isso, restará aos cariocas olhar para cima e se prevenir quando sentir que virá chuva forte. Não sair de casa, quando se mora em local seguro, é uma opção.
Aos que, conscientemente, moram em locais considerado de alto risco, pede-se o favor de buscar outro abrigo quando estiver ameaçando um temporal. A vida, sempre, vale mais.
Fonte: G1