São Paulo já vive um novo padrão climático: a seca e as ondas de calor se tornarão frequentes

Fonte: Planeta Sustentavel

Embora as estatísticas mostrem que chove 30% a mais do que 40 anos atrás, a lentidão para criar novos sistemas de abastecimento cobra seu preço em um momento de consumo crescente

A crise hídrica de São Paulo ganhou notoriedade quando técnicos do Departamento de Águas e Energia Elétrica afirmaram que a realização dos jogos da Copa do Mundo no Brasil na cidade estaria ameaçada pela possibilidade de um racionamento generalizado de água devido à falta de chuvas no Cantareira. No dia 12 de julho, um sábado de inverno, ainda durante o evento, o volume útil do sistema, como é chamada a porção de água acima das comportas das represas, esgotou-se. Com quebras de recorde de calor consecutivas durante o ano e o consumo em alta, o que restava dos 1,46 trilhão de litros de capacidade do principal reservatório para abastecimento da cidade parecia evaporar. Para o presidente da ANA, o planejamento da Sabesp ficou longe de acompanhar o consumo crescente dos paulistanos, de 175 litros diários per capita – segunda maior média do país, perdendo apenas para os 200 litros diários dos cariocas, e 65 litros acima do recomendado pela ONU.

Segundo dados da agência governamental, o Brasil possui 12% da água doce disponível região Norte do país, onde vivem 7% da população. Três por cento ficam no Nordeste, com 27% da população. Por sua vez, o urbanizado Sudeste, onde estão São Paulo e 40% dos brasileiros, possui apenas 6% da água. “O preço da dependência do Cantareira se fez sentir como nunca antes e isso era previsível. Entre 2004 e 2013, o consumo de água nos 33 municípios da região metropolitana abastecidos pela Sabesp aumentou 26%, enquanto a produção cresceu apenas 9%. A cidade já vivia em estresse hídrico e as mudanças climáticas aceleraram o processo que levou à crise”, explica Adreu.

Para o climatologista Carlos Afonso Nobre, diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), extremos climáticos como a seca e ondas de calor tendem a se tornar frequentes daqui para a frente. “A razão mais próxima para entender o que aconteceu em São Paulo são os bloqueios atmosféricos que configuram os veranicos, períodos mais secos nos verões. Esses fenômenos clássicos da meteorologia são causados por sistemas de alta pressão estacionários no Atlântico, que bloqueiam a entrada de massas de ar frio do Ártico e impedem a precipitação no continente. Ocasionalmente, o fenômeno também pode estar relacionado com o bloqueio gerado pela ilha de calor da mancha urbana”, explica Nobre. “Houve na história algumas centenas de bloqueios antes desses com durações de cinco a sete dias, o mais longo com menos de 20 dias. O que surpreendeu no registro dos bloqueios mais recentes é que não havia nenhum caso em 40 anos de um que tenha durado 48 dias, como nos primeiros meses de 2014, e um de 26 dias, em fevereiro de 2015”, conta.

De acordo como o cientista, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), não é possível afirmar com precisão científica se a falta de chuvas no verão de 2014 tem relações em São Paulo com o aquecimento global causado pela ação antrópica. Porém é certo dizer que já vivemos um novo padrão climático. A volatilidade do clima, tanto para a seca quanto para mais chuvas, tende a se tornar mais intensa e os eventos como os veranicos mais longos. Mas não está chovendo menos em São Paulo então? “Sim, no período que desencadeou a crise choveu menos na região do Cantareira, mas essa é uma falsa percepção diante das estatísticas. O histórico mostra que tem chovido 30% mais na cidade nos últimos 40 anos. O que estamos vendo é um efeito da mudança climática em uma cidade que está de 3 a 4ºC mais quente na média. Para entender isso, temos de considerar que esta é uma cidade diferente de 1960, quando as enchentes já eram notícia. Hoje, elas tendem a ser mais frequentes por causa da urbanização, da mesma forma que as secas serão”, fala Nobre.

Para Tim Barnett, geofísico e pesquisador do Departamento de Estudos do Clima do Scripps Institution of Oceanography, em San Diego, Estados Unidos, contudo, não resta dúvida de que a seca paulista e a que assola o estado americano da Califórnia nos últimos quatro anos estão conectadas pela ação do homem. Segundo ele, cada uma das três últimas décadas tem sido mais quente que a anterior no planeta, coincidindo com um momento em que há um boom demográfico e de industrialização nos países em desenvolvimento, caso do Brasil. “Estamos consumindo mais, construindo mais e gerando mais gases de efeito estufa, que aquecem o planeta e impactam o ciclo hidrológico natural e o movimento de massas de ar. Onde antes havia florestas, temos edifícios e casas. Pavimentamos córregos e rios para a passagem de automóveis, acelerando o processo de desertificação urbana, mudando o transporte da umidade pelo ar e a absorção de água pelos aquíferos subterrâneos”, diz. “Além disso, não há como tirar a digital da cena do crime, os efeitos do aquecimento global são revelados nos padrões de chuva de São Paulo, por exemplo, e nas calotas de gelo das montanhas californianas, que em 2015 são as menores já registradas. Cidades inteiras estão ameaçadas. No longo prazo, a única solução é controlar o crescimento urbano e desenvolver uma interação mais sustentável com os rios e reservatórios urbanos”, explica Barnett.

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