Fonte: GHG Protocol Brasil
Quando se pensa em efeito estufa, o grande vilão é quase sempre o carbono. Por trás dele, porém, há uma amplo leque de elementos químicos altamente danosos à atmosfera. Um dos principais é o nitrogênio reativo, cuja liberação na atmosfera foi dissecada pela primeira vez em um estudo capitaneado por pesquisadores da Universidade de Sydney, na Austrália, com dados de 188 países. O mapa dessa pegada de nitrogênio traz uma disparidade marcante entre nações. Quatro países — EUA, China, Índia e Brasil — são responsáveis por 46% das emissões desse gás no mundo.
O nitrogênio simples (N2) compõe 78% do ar na atmosfera e é extremamente estável, sendo absorvido apenas pelas plantas por meio de bactérias. A quantidade não aproveitada pelo ecossistema volta, em um ciclo natural, para a atmosfera. No entanto, desde a Revolução Industrial, o homem vem liberando nitrogênio reativo a partir da queima de combustíveis fósseis. Nos últimos 150 anos, para desenvolver a agricultura, o elemento tem sido usado na forma de fertilizantes. Grandes quantidades deixam o campo e vão para o ar, onde o gás reage com vapor d’água e dá origem a chuva ácida ou ao óxido nitroso (N2O), um gás de efeito estufa 300 vezes mais poluente do que o próprio carbono e que contribui, por exemplo, para a acidificação do solo.
De acordo com os autores do levantamento, a poluição do nitrogênio a partir da atividade humana cresceu em seis vezes desde a década de 1930 — e em dez vezes nos últimos 150 anos. Hoje, o consumo de commodities da agricultura é o grande responsável pelo aumento das emissões desse gás.
POLUIÇÃO FORA DAS FRONTEIRAS
Os países desenvolvidos geralmente importam muitos produtos que levam à emissão de nitrogênio em nações mais apoiadas no setor agrário, diz a pesquisa. Assim, economias como Japão, Alemanha, Reino Unido e os EUA têm emissões per capita do gás duas vezes maiores do que a quantidade produzida localmente. Em média, por exemplo, cada pessoa na Libéria seria responsável por menos de sete quilos da liberação de nitrogênio reativo por ano. No mesmo período, um habitante de Hong Kong responderia por mais de 100 quilos de poluição, já que a região é grande importadora de produtos agrícolas.
— Queríamos saber quem estava fabricando os produtos que são postos nas prateleiras de outros países, e quem é afetado durante este processo — explica Arunima Malik, autor chefe do estudo, publicado na revista “Nature Geoscience”, que afirmou que os problemas ambientais causados pelo excesso de nitrogênio ainda vão custar muito caro.
Principalmente devido à importação de produtos agrícolas, as nações de alta renda são responsáveis por emissões de nitrogênio dez vezes maiores que a observada em países em desenvolvimento. Esta diferença refletiria, também, o aumento do consumo de produtos de origem animal e de alimentos altamente processados, entre outros itens que demandam uso intensivo de energia.
— As emissões estão fortemente relacionadas ao consumo e à produção — acrescenta Andrea Santos, gerente de projetos do Fundo Verde da UFRJ. — O Japão e demais nações desenvolvidas importam roupas e outros produtos cuja fabricação levou a emissões de nitrogênio. Hong Kong não tem terra para culturas agrícolas. Então, precisa comprar suprimentos de diferentes países. O cultivo desses itens levou à liberação de nitrogênio.
De acordo com Andrea, a avaliação da emissão de nitrogênio exemplifica um impasse das negociações climáticas:
— Os países desenvolvidos são historicamente os maiores poluidores da atmosfera, já que financiam o cultivo agrícola e importam commodities de outros locais. No entanto, as nações pobres às vezes são consideradas “corresponsáveis” pela poluição, já que conduzem em seus territórios as atividades econômicas que vão liberar nitrogênio.
A pesquisadora do Fundo Verde avalia que o Brasil, durante seu desenvolvimento econômico, não investiu em sustentabilidade. Por isso, acredita que “não é surpresa” ver o país entre os principais produtores de nitrogênio.
— Precisamos adotar no campo práticas como o manejo do solo e a mudança de cultivos agrícolas — destaca ela, antes de acrescentar: — Não cuidamos dos problemas no campo, tampouco investimos apropriadamente em fontes de energia renováveis nas cidades. O setor energético e o de transporte estão entre os mais poluentes de nossa economia, e isso ocorre porque ainda abusamos dos combustíveis fósseis.
A equipe de Malik alerta que, com a expansão da população mundial, a emissão de nitrogênio aumentará significativamente. Por isto, é necessário fazer projeções sobre como aumentarão e serão distribuídos a riqueza e o consumo nas próximas décadas, assim como indicar os setores nos quais o combate à contaminação da atmosfera por gases-estufa devem ser prioritários.
O cientista que liderou a elaboração do mapa das emissões de nitrogênio propõe a criação de uma legislação internacional para o controle da liberação desse gás. Para o pesquisador, esta medida inibiria as emissões. Outra proposta é a impressão, nos rótulos dos produtos, da quantidade de nitrogênio necessária para a sua fabricação, o que contribuiria para a conscientização dos consumidores. Ele também sugere a taxação dos itens mais poluentes e de fácil acesso no mercado, como os fertilizantes nitrogenados.
As recomendações são incentivadas por André Nahur, coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil:
— A demanda por nitrogênio pode ser reduzida se tomarmos decisões mais conscientes dos produtos associados com a liberação do gás em diversos setores, como alimentação, transporte e indústria têxtil — ressalta. — É importante que cada país considere alternativas para reduzir o uso deste elemento químico.