Brasilienses querem pular carnaval sem deixar a sustentabilidade de lado

A produção de lixo durante o carnaval brasiliense caiu 39,5% em 2019, em relação ao ano anterior. Entre os materiais mais descartados, estão latinhas, plásticos, garrafas PET e vidros.

Os brasilienses entraram no clima do carnaval mais cedo este ano. Fantasias, tiaras e purpurinas começaram a fazer parte das vitrines, e a variedade de momo está presente no comércio da capital. Mas, se por um lado o carnaval é um dos eventos brasileiros mais esperados, por outro, o consumo excessivo e massivo de itens da folia gera resíduos que podem prejudicar o meio ambiente.

Preocupadas com o impacto ambiental, foliões criaram iniciativas conscientes e sustentáveis, de tal forma que as pessoas possam curtir a festa sem agredir a natureza com produtos e resíduos tóxicos. De acordo com o Serviço de Limpeza Urbana do Distrito Federal (SLU), nos últimos anos, houve uma redução de 39,5% na quantidade de resíduos recolhidos. Em 2018, foram registradas 82,2 toneladas de lixo produzidas durante o carnaval, número alto se comparado a 2019, que gerou 49,7 toneladas. Latinhas, plásticos, garrafas pet e vidros são os materiais mais descartados.

A coordenadora de mobilização social do SLU, Luana Cristeli Sena, explica que a redução destaca a consciência ambiental cada dia mais presente na vida do brasiliense. “É um indicativo de que a população está se conscientizando mais. É importante sensibilizar os órgãos públicos, os organizadores de blocos, ambulantes e pessoas que curtirão a festa, quanto à importância da manutenção da limpeza da nossa cidade”, diz.

Luana explica também que a Lei 5.610 de 2016 passou a responsabilizar grandes geradores de resíduos sólidos, o que afeta diretamente os blocos dos carnavais. “Desde então, todos os eventos que atraem grande público vêm sendo cadastrados no SLU, e os blocos de carnaval fazem parte da lista. Dessa forma, a obrigatoriedade de manter a limpeza durante a festa recai sobre eles”, esclarece.

Entre as iniciativas do órgão, está o programa Bloco Brasília Limpa, que acontece desde 2015 e promove palestras de conscientização aos organizadores dos blocos e ambulantes. “O projeto tem o objetivo de sensibilizar a manutenção da limpeza durante as festas, promovendo uma mudança cultural para o descarte adequado dos resíduos durante os eventos”, acrescenta Luana.

Para valorizar o esforço dos foliões no recolhimento de lixo produzido, o SLU distribui certificados de limpeza aos blocos de rua que mais se empenham em manter os locais de festas livres de resíduos após o evento. Além disso, durante a festa, a limpeza é feita diariamente. Este ano, a novidade é que os garis estenderão o período de trabalho até meia-noite.

 

Conscientização
Levar o próprio copo, usar transporte público e reutilizar fantasias. A bióloga Lara Oberdá Carneiro Marques, 26 anos, conta que sempre procura passar a festa de maneira sustentável, e essas são algumas das alternativas que encontrou para isso. “Além de colaborar com o meio ambiente e com o bolso, também exercita a criatividade, o que é uma das graças do carnaval”, compartilha. Lara afirma que começou a tomar consciência no fim de sua graduação no curso de biologia. “Discutimos muito em algumas disciplinas sobre os impactos negativos que o ser humano causa no planeta e isso acaba me fazendo repensar algumas atitudes e, principalmente, mudar alguns hábitos”, destaca.

Para a bióloga, aproveitar o carnaval de modo sustentável pode ajudar a criar hábitos que precisam ser levados para o dia a dia. “De modo geral, acredito que essas pequenas mudanças facilitam a curtição da festa, pois diminui o número de coisas com que me preocupar, como carregar resíduos, procurar copos, segurança do carro, amigo da vez e etc.”, constata.

De acordo com ela, é possível enxergar o cuidado de alguns blocos, mas é preciso haver maior investimento do governo. “Vemos muitos organizadores incentivando os foliões a levarem seus copos, com campanhas de conscientização sobre onde descartar os resíduos. Mas, sem o apoio para fornecer a infraestrutura adequada, como recolhimento e separação dos resíduos, há um limite para o que possa ser feito”, alerta.

Em resposta, o SLU reforça que tem procurado fazer campanhas de sensibilização. “Além da limpeza das ruas durante a festa, o SLU também realiza um trabalho de conscientização com os blocos de rua, doando sacos de lixo verdes e azuis — para destinação dos resíduos recicláveis — e promovendo ações educativas sobre a importância de descartar o lixo no local certo, separando o que é orgânico e o que é reciclável”, explica o órgão, em nota.

 

Inovação
Preocupada em causar menos impacto no ambiente, a professora Laís Xavier de Moraes, 20, conta que optou por alternativas sustentáveis para passar o carnaval, após perceber a quantidade de lixo no chão na primeira vez que participou da festa. Uma das escolhas foi a customização de suas fantasias. “Tento gerar a menor quantidade de lixo possível fazendo minha roupa com materiais e coisas que eu já tenho, usando glitter biodegradável. Além disso, levo de casa meu copo”, relata.

Para a professora, a curtição fica em segundo plano: “O mais importante é aproveitar o carnaval com a consciência limpa, me responsabilizando pelo lixo que produzo”, completa. “Minha expectativa para este carnaval é que mais pessoas possam entrar nessa jornada sustentável e curtam de forma ecológica. Ultimamente, as pessoas já têm adotado medidas mais sustentáveis, principalmente com os copos, canudos e sacolas. Espero não ver tanto lixo na rua desta vez durante a folia”, diz.

 

Sustentabilidade

A engenheira ambiental e de segurança do trabalho Thainy Cristina Silva Bressan aponta que o carnaval pode ser ainda mais sustentável. “Nós temos um mundo muito mais acessível de informações. Na internet, várias pessoas estão mostrando como podemos usar a criatividade para fazer isso acontecer de forma mais fácil e prática”, assegura.

Segundo Thaiany, uma das iniciativas desenvolvidas é o glitter biodegradável. “O glitter vendido em papelaria é uma micropartícula de plástico. A purpurina também tem o mesmo procedimento, mas é mais fina (polui do mesmo jeito). Passa o carnaval, e três meses depois ainda encontramos brilho”, lamenta. “O bioglitter tem essa diferença. Ele não é de plástico. A maior parte do composto é de mica e gelatina, que são ingredientes naturais. É uma forma que as pessoas encontraram de manter a essência do carnaval, de forma que não agrida o nosso sistema de saneamento e o meio ambiente”, completa a engenheira.

Além do glitter, ela faz um alerta quanto ao uso do vidro, material de grande dificuldade de reciclagem no país. “Aqui em Brasília, temos algumas iniciativas, mas a garantia de que 100% desse material que é descartado no carnaval vá para uma reciclagem não existe”, diz. Além disso, Thainy adverte quanto ao fator segurança. “A garrafa de vidro pode virar um instrumento de perigoso. Tanto pela chance de alguém escorregar, por ficarem no chão e não serem recolhidas, quanto pela questão de que pode virar uma arma em um momento de violência ou agressividade”, completa.

De acordo com a engenheira, alternativas sustentáveis não precisam pesar no bolso. “Não é mais caro ser sustentável. Quando trocamos algumas embalagens por coisas reutilizáveis, o custo que estamos tendo, além de financeiro, é ambiental”, esclarece. “No caso do carnaval, todos esses adereços, como copos, canudos são itens que vamos usar durante os blocos, além de ser algo que poderá ser utilizado novamente. A cada vez que você opta por um desses itens, é um lixo a menos produzido”, realça.

Com o objetivo de ajudar o meio ambiente, Thainy, em parceria com a engenheira ambiental Janaína Domingues Luizari, 24, conduz a marca Ecojornada, que torna acessíveis à população produtos sustentáveis, como copos e garrafas retráteis, canudos reutilizáveis, pulseiras e colares feitos com fio de malha.

A empreendedora Maria Martha, dona do brechó As Três Marias, garante que é possível reutilizar peças, e investir em roupas com um menor preço para fazer parte de uma moda sustentável. “Em um brechó, você tem acesso a produtos mais baratos, para uso próprio, além de poder adquirir uma peça para customizá-la. Todo carnaval dá para fazer a ressignificação de um look, fazer tiaras, adereços de cabelo, brincos, ombreiras, várias peças a partir de roupas já existentes”, afirma.

Uma das alternativas utilizadas por Maria, para curtir o carnaval em estilo sem agredir o ambiente, foi a economia nos materiais: “Os kimonos são produção do nosso brechó para o carnaval e os blusões, também. Estamos fazendo sob encomenda para não ter desperdício de produção, e tudo que vai sobrando da confecção dessas peças a gente pega para fazer novas fantasias”, acrescenta.

Outra empreendedora, Tayna Haudiquet, 24, também optou pela moda consciente. Cofundadora da marca Parangolés, ela conta que, ao procurar por fantasias e não encontrar, decidiu fabricar a própria. Após o sucesso da primeira peça, passou a investir nas coleções. “Percebemos que havia mercado em Brasília. Já estamos no terceiro ano da marca”, aponta.

Mas Tayna decidiu ir além, e optou pela alternativa ainda mais ecológica: “Nos preocupamos muito com a questão do descarte, então, em vez de jogarmos fora, reaproveitamos. Quando vamos comprar tecido, damos preferência aos retalhos das lojas. Dessa forma, tudo vira alguma coisa no nosso ateliê, nada é descartado”, relata.

 

Na Moda
A professora do curso de moda do Centro Universitário Iesb, Lina de Albuquerque, dá dicas de como passar o carnaval com uma fantasia bonita e sustentável:

  • Busque peças práticas e versáteis que possam ser combinadas a vários tipos de acessórios que você já tem
  • Faça um upcycling no guarda-roupa — técnica que consiste na reutilização de roupas antigas dando novos significados a elas
  • Reutilize peças do carnaval passado customizando-as com pedrarias, tiras de paetê e outros itens carnavalescos. É possível transformar um body antigo de renda em outra fantasia se aplicar novos elementos a ele
  • Utilize materiais recicláveis como o fundo da garrafa PET.

Fonte: Correio Braziliense

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