Fonte: GHG Protocol Brasil
Meta brasileira. Lavoura de soja, pecuária e florestas no manejo integrada em fazenda da Cocamar, cooperativa de agroindustrial em Maringá, no Paraná: objetivo é ter 5 milhões de hectares desse tipo de uso do solo até 2030
Londres e Rio – O mundo financeiro se prepara para uma nova era econômica: a do clima. Bancos centrais e instituições incluíram a mudança do clima nas equações que medem os riscos para a estabilidade financeira global. O histórico acordo de combate ao aquecimento global firmado por 195 países no fim de 2015 em Paris abriu as portas para o que pode se tornar um Bretton Woods verde, com permissão para que o carbono se torne moeda de troca num futuro próximo. Esta é uma das interpretações do artigo 117, que fala no “valor social e econômico das ações de mitigação”. Bretton Woods é a cidade americana que recebeu, em 1944, representantes de mais de 40 nações para firmar acordo monetário e financeiro que serviria como parâmetro para a economia após a Segunda Guerra Mundial. O acordo definiu o dólar como moeda de referência internacional com valor atrelado ao ouro.
Enquanto se busca dar um preço para a captura de carbono, o mercado de green bonds, os títulos verdes, avança. São papéis que financiam empresas que investem em tecnologias de baixa emissão e reduzem o consumo de água, energia e matérias-primas. Os papéis verdes têm potencial de movimentar US$ 100 trilhões, de acordo com estimativa da Climate Bonds Initiative, organização sem fins lucrativos inglesa. Ela tomou como base declarações públicas de gestores que movimentam US$ 45 trilhões e deslocariam recursos a projetos sustentáveis. A organização considerou nas projeções a demanda por esses títulos, sempre maior que o montante oferecido no mercado. Em 2015, foram emitidos US$ 41,84 bilhões desses papéis, 14%a mais que em 2014.
— É um mercado crescente. Muitas das emissões de green bonds tiveram mais interesse por parte dos investidores do que originalmente pensado — disse Annelise Vendramini, coordenadora do Programa de Finanças Sustentáveis da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo.
Foi o que aconteceu com a BRF, dona de marcas como Sadia e Perdigão. Ela ofereceu ao mercado europeu € 500 milhões em títulos verdes, com prazo de sete anos e juros de 2,82% ao ano. A procura pelos papéis foi mais de quatro vezes maior. A empresa poderia ter captado € 2,3 bilhões se atendesse a toda a demanda. Foi a única brasileira a emitir green bonds, selo que garante a gestão sustentável.
— Queríamos dar transparência e visibilidade para o mercado do que já está implícito dentro da companhia. Tivemos o benefício da diversificação. A BRF já é conhecida no mercado de dólares — afirmou Elcio Ito, diretor de Finanças.
Segundo o secretário de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente, Carlos Klink, os green bonds são tema recorrente no ministério.
— A discussão está no Meio Ambiente, na Fazenda, no BNDES, na Febraban (Federação Brasileira dos Bancos). Discutimos também debêntures (títulos de dívida).
O economista francês Jean Charles Hoularde diz que as empresas que reduzirem emissões podem emitir certificados, que poderiam usar para pagar financiamentos ou vendê-los no mercado:
— Fundos de pensão podem comprar esses papéis para investir, assim como o cidadão comum, no lugar de aplicar na poupança.
Uma força-tarefa acaba de ser criada para desenvolver critérios e indicadores sobre riscos financeiros relacionados ao clima. O anúncio foi feito por Mark Carney, presidente do Banco da Inglaterra, o BC britânico, e do Financial Stability Board (FSB). É o primeiro passo para a criação de um sistema universal de dados. O assunto está na agenda dos bancos centrais, do Brasil inclusive. Para isso, é preciso existir regulamentação internacional.
— Seriam muitos trilhões de dólares para financiar projetos. Seria uma nova moeda, como já foi o padrão ouro no passado — afirmou o ex-deputado Alfredo Sirkis, diretor do Centro Brasil no Clima, que participou de debate sobre o tema na COP21.
Isso explica a presença de mais de cinco mil bancos e companhias em Paris. Dados do banco BNY Mellon indicam que, nos últimos três anos, a movimentação de ativos para energia, clima e ações sociais chegou a US$ 2,8 trilhões. O diretor-geral da Agência Internacional de Energia Renovável, Adnan Amin, passou a conferência em campanha por um marco regulatório global. Ele quer que os recursos que serão depositados no Fundo do Clima sejam usados como garantia aos patrocinadores dos projetos. Segundo a agência, os investimentos em energias renováveis somaram US$ 240 bilhões em 2014, 14% a mais que em 2013:
— Não quer dizer que o dinheiro será usado. Mas vai reduzir os juros e estimular retornos milionários.
Em Brasília, a ideia de criar regras para um mercado de certificados do chamado carbono positivo, ou seja, da redução das emissões enfrentou resistências de técnicos da Fazenda. Uma das premissas para estimular o mercado é que os governos deem garantias para os papéis emitidos. Os técnicos avaliam que isso elevaria a dívida pública.
Segundo Mário Sérgio Vasconcelos, diretor de Relações Institucionais da Febraban, a meta brasileira de reduzir as emissões de carbono em 37% até 2025 vai mudar a dinâmica da economia:
— Serão necessários investimentos privados ou títulos emitidos por empresas para alcançar uma economia de baixo carbono, com menos uso de energias fósseis, eficiência no uso da água. Vai exigir tempo e investimento.
Vasconcelos diz que projetos de economia verde vêm ganhando espaço na carteira dos dez maiores bancos brasileiros. Em 2014, 9,6% dos financiamentos foram para projetos de energias renováveis. Em 2013, a parcela era de 8,8%. Recursos para atividades poluentes ainda dominam: representavam 33,2% em 2014 contra 33,5% em 2013.
— Se todos os países cumprirem suas metas para diminuir a emissão de gases de efeito estufa, o Brasil será o segundo país com a menor emissão do mundo em 2030 — disse Vasconcelos, que articula com o governo e empresários instrumentos financeiros para fazer frente às metas brasileiras, que incluem o reflorestamento de 12 milhões de hectares de áreas degradadas até 2030.
Para o ex-ministro do Meio Ambiente da França Pascal Canfin, o sistema financeiro se prepara para o que pode ser a maior mudança desde a Segunda Guerra Mundial. Responsável pelo relatório encomendado pelo presidente François Hollande para buscar fontes de financiamento, Canfin diz que empresas e bancos que não correrem, ficarão para trás. No relatório, ele diz que governos e bancos de desenvolvimento — e cita o BNDES — devem guiar o movimento com novos produtos financeiros.
Canfin defende a criação de uma taxa do clima. A ideia, que foi abraçada por dez países e deve se tornar diretiva apresentada pela Comissão Europeia em junho, é taxar operações financeiras em 0,01%. Estima-se arrecadação de € 10 bilhões a € 15 bilhões. A taxa seria cobrada de qualquer empresa com sede ou filial nos países que firmarem acordo.
No Brasil, o governo subsidia crédito. Há cerca de cinco anos, são destinados anualmente R$ 4,5 bilhões ao Programa Agricultura de Baixo Carbono (ABC) e a projetos integrados de agricultura, pecuária e reflorestamento — uma das metas brasileiras é aumentar em cinco milhões de hectares as áreas integradas. Annelise, da FGV, diz que só 60% são tomados por agricultores, diante da mudança de gestão que o programa impõe:
— O programa é inovador, incluindo toda a cadeia. O setor será afetado pelas mudanças climáticas, é necessário buscar nova fronteira de produtividade ligada ao baixo carbono.
A Cocamar Cooperativa Agroindustrial, de Maringá, no Paraná, integra lavoura de soja, pecuária e floresta desde 1997.
— Quase ninguém vinha nas palestras. De três anos para cá, são 200, 300 produtores. Quem não fizer assim (manejo integrado), principalmente na nossa região, que tem solo arenoso e degradado, verá a produção cair — diz Luiz Lourenço, presidente da Cocamar.
A produtividade da pecuária é multiplicada por dez, diz ele. No Noroeste do Paraná, onde está a Cocamar, são produzidas três arrobas de carne por hectare, com a integração, o número sobe para 30 arrobas:
— A área de produção rural no sistema é pequena, mas está avançando rápido. Quem está fazendo está ganhando dinheiro.
A implantação do Código Florestal é outra frente. Os produtores têm até maio para apresentar o cadastro rural ambiental. Segundo Vasconcelos, o que se estuda é criar cota de reserva, quem tem excesso legal emite cota para quem tem déficit.
Para Gustavo Diniz Junqueira, presidente da Sociedade Rural Brasileira, o agronegócio está no centro da estratégia brasileira para cumprir os compromissos assumidos em Paris:
— Temos que ter mais produtividade, mais proteção ambiental e isso demanda operar com satélites, drones, ter uma agricultura de precisão. Não se pode mais pensar em pegar o dinheiro no BB (Banco do Brasil), plantar, cuidar, colher, vender e pagar. Serão duas a três safras por ano, integradas com pecuária intensiva, tem que incluir floresta no manejo. A meta é que todo sistema migrasse para esse modelo de financiamento de baixo carbono.
Israel Klabin, presidente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, avalia que o setor privado está se acostumando ao novo cenário:
— O setor privado tem que estar na frente e reinventar seu modelo. Essa é a vantagem do Cadastro Ambiental Rural. A implementação é totalmente privada com aliança profunda com o governo.
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