Fonte: Razões para acreditar
A tarefa do dia foi colher mudas de girassóis em frente à casa da avó do Kelvin. Com esta função, lá se foi o grupo de crianças de 6 a 13 anos percorrer as ruas do bairro Satélite Íris. Acompanhados de Silvania Fernandes do Nascimento, educadora social do Projeto Gente Nova (Progen), a turma caminha cheia de entusiasmo atenta a cada planta que enxerga durante o caminho.
No trajeto, crianças e a educadora social interagem com os moradores e quando têm oportunidade, colhem latões e outros materiais recicláveis que podem ser transformados em vasos para as plantas colhidas. Ao retornar para a sede da entidade, que é parceira da Fundação FEAC, o grupo planta as mudas e as distribui para que sejam levadas para as residências. Algumas delas permanecem na própria instituição. A atividade simples tem um objetivo amplo: trabalhar a consciência ambiental com crianças e adolescentes e sensibilizar a comunidade para cuidar e preservar o bairro.
Com 50 anos de existência, o Satélite Íris I já foi o local de um aterro sanitário, que funcionou de 1972 a 1986 e que resultou em uma contaminação do solo da região. Mais de 30 anos depois, o lixo continua presente na rotina do bairro, que é considerado de alta vulnerabilidade pelos indicadores socioeconômicos, agravado pela falta de infraestrutura urbana. Segundo Ricardo das Chagas Chaves, coordenador técnico do Progen Satélite Íris I, o saneamento básico e o asfalto começaram a chegar no bairro somente no ano passado. “Até hoje, o lixo é um elemento muito presente na comunidade, talvez pela ineficiência do recolhimento dos detritos pelo poder público e também pela falta de informações para a população sobre o descarte correto”, afirmou.
A população do bairro também sente falta de equipamentos públicos como praças de lazer e outros serviços, o que se torna um desafio para a instituição. “As crianças têm muita necessidade de brincar e, por isso, as atividades que têm maior adesão são as mais lúdicas e que acontecem externamente”, disse Aline Alves, pedagoga do Progen.
Deve ser por esse motivo que a turma que participa da oficina que desenvolve o projeto Planta Vida tem tanto entusiasmo para explorar as ruas do bairro. Nenhum canto passa despercebido pelos pequenos. E cada descoberta é uma festa devidamente comunicada à educadora social Silvania, mais conhecida como Sil. São onze horas, lírios, babosas, cactos. Tudo é relatado e colhido, após a pergunta respeitosa direcionada à planta: “você quer vir com a gente morar no Progen?”
Respeito e informação
O Progen unidade Satélite Íris I atua há 13 anos na região e atende cerca de 870 pessoas, das quais 330 são crianças e adolescentes de 6 a 14 anos, por meio do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculo. Logo que a equipe de profissionais da entidade chegou ao local, percebeu que a questão do lixo era algo que precisava ser trabalhada a partir de uma nova perspectiva, que pensasse nas condições ambientais da região. Logo, as ações ligadas à preservação do meio ambiente se tornaram um dos pilares do trabalho da entidade na região.
Segundo Silvania, que é responsável pelo Planta Vida, um dos objetivos da atividade é ensinar crianças e adolescentes a serem cuidadosas com as plantas. Além disso, as andanças pela região incluem informações sobre botânica, pesquisas, conhecimento do bairro e conversas com os moradores, que sempre param nas ruas ou aparecem nas janelas de casa para socializar com o grupo de pequenos exploradores. Tudo é realizado com grande interesse das crianças, que perguntam o tempo todo sobre questões relacionadas à atividade. Durante as rodas de conversa que sempre antecedem as atividades desenvolvidas na entidade, assuntos relacionados ao Planta Vida também fazem parte da reflexão.
O projeto é muito simples, mas já traz resultados positivos que transpassam os muros do Progen e chegam até a comunidade. Na entidade, as mudas são constantemente solicitadas por pais de crianças e adolescentes e outros moradores. Pelas ruas, é possível perceber novos jardins que se formam em frente às casas, comprovando que a ação está sendo multiplicada na comunidade. Até o corredor que dá acesso aos fundos da entidade já ganha cor e vida com os latões, caixotes e pneus, que são pintados e onde são plantadas algumas das espécies colhidas nas andanças pela região.
“Esta atividade envolve a reutilização de materiais recicláveis e ajuda a potencializar a beleza estética do bairro, por meio da forma como as crianças e famílias utilizam as plantas, como podem plantar de maneira mais segura levando-se em conta o solo contaminado. Tudo isso contribui de certa forma com a qualidade de vida dessas famílias e também no processo de urbanização da cidade”, explicou Ricardo.
Segundo Allan Scheffer Oliveira, assessor social do Departamento de Assistência Social da Fundação FEAC, a região do Satélite Iris tem características muito particulares, por apresentar indicadores socioeconômicos bastante desfavoráveis, e estar localizado no antigo aterro sanitário, conhecido como lixão da Pirelli. “Mesmo assim, a entidade, junto com as crianças e adolescentes, se aproveita destas situações para ressignificar as situações vividas e traçar novas perspectivas de futuro para o território e suas respectivas vidas. São por meio das ações desenvolvidas pelo Progen, que a criança e adolescente fortalecem o sentimento de pertença do território e o vínculo comunitário”, afirmou.
Planos
Além de se mostrar muito à vontade nos momentos em que explora as ruas de seu bairro, o grupo comandado por Sil é entrosado e demonstra respeito em sua convivência. Eduarda Branco Barros, 8 anos, faz questão de mostrar o jardim em frente à casa da avó muito bem cuidado e com uma diversidade grande de espécies. “Eu amo plantas e minha avó também. Cuidar delas é importante para o meio ambiente e pra gente também”, disse.
Kelvin Martins Silva, 10 anos, é um dos mais empolgados do grupo. Orgulhoso, ele mostra onde são plantadas as espécies colhidas pelo grupo. “Além de cuidar do bairro, as plantas deixam tudo mais bonito”, afirmou.
Entre as simples pretensões do Planta Vida, estão a criação de um viveiro nos fundos da entidade para que haja uma maior produção de mudas que possam ser doadas para os moradores. Para isso, o projeto tem como desafio adquirir sacos de terra, já que tudo que é plantado ali não utiliza o solo contaminado da região.
Uma visita ao mercado de flores do Ceasa também está nos planos de Sil, mas ela ainda não conseguiu viabilizar o passeio para as crianças. Será que alguém se disponibiliza a ajudar essa turma a continuar preservando e revitalizando o bairro?
Saiba mais sobre o Progen: www.progen.org.br