Impacto das hidrelétricas produz “refugiados do desenvolvimento”

Fonte: Jornal da USP

A construção de grandes hidrelétricas no País e os consequentes prejuízos socioambientais e humanos são pautas que andam sempre juntas, já que, em função destas obras, populações inteiras abrem mão de seus modos de vida, sua cultura e sua técnica em nome do desenvolvimento. Desastres como o rompimento da Barragem do Fundão, em Minas Gerais, levantam discussões e diferentes abordagens do problema, como mostra artigo publicado na REB: Revista de Estudios Brasileños.

Entre as diferentes visões que o texto contextualiza, está aquela que defende totalmente a existência das hidrelétricas; uma outra, que prega as vantagens das mesmas, mas com ressalvas; e, finalmente, aquela que coloca em evidência os “efeitos socioambientais devastadores” dessa fonte de energia, alertando também para a necessidade de investimento em outras fontes energéticas. As autoras  – Carmem Giongo, Jussara Mendes e Rosangela Werlang – apoiam seu estudo nessa última concepção, “caracterizada pela problematização dos danos causados às populações atingidas pelas hidrelétricas e pela crítica ao modelo de desenvolvimento vigente”.

Para elas, o discurso favorável à construção das hidrelétricas, ancorado na defesa de um suposto desenvolvimento, “na verdade, tem como intuito tornar invisível, como fato completamente natural, o sofrimento das populações atingidas”.

Segundo tal ideal de desenvolvimento e de competitividade econômica, construir esse tipo de obra se justifica pelo estímulo à geração de empregos, além do acesso à eletricidade, ao desenvolvimento econômico regional e nacional, o fomento ao turismo, o aumento da competitividade econômica e a geração de energia limpa e renovável.

Trata-se de um discurso dominante, já que quase 80% de toda a energia produzida nacionalmente origina-se de mais de duas mil barragens. Essas grandes construções, por sua vez, produziram deslocamentos estimados de, no mínimo, um milhão de pessoas.

Comumente, apontam as autoras, as populações locais são vistas como entraves ao desenvolvimento. “O sacrifício das comunidades locais e da natureza é o preço – barato – a se pagar pela garantia do desenvolvimento do país”, pois órgãos internacionais consideram nações que possuem muitos empreendimentos hidrelétricos como nações de desenvolvimento sustentável.

Aos citar que somente “10% das famílias removidas de seus territórios em função das obras das hidrelétricas receberam algum tipo de indenização no Brasil”, as pesquisadoras lembram que a preocupação com os impactos socioambientais provocados pelas hidrelétricas é recente no País, onde não há uma política nacional de direitos dos atingidos por barragens. Estes  são os “eco-refugiados, refugiados ambientais ou refugiados do desenvolvimento”, que lutam com o setor elétrico pelo território.

Com a ocupação das hidrelétricas, a terra e o ecossistema se desequilibram, pois recursos-chave de sobrevivência dessas populações são afetados, tais como as atividades agrícolas, extrativistas e pesqueiras. Além disso, lembram as autoras, “a terra está totalmente vinculada ao ethos, à cultura, à organização social, à economia e à identidade das pessoas atingidas pelas hidrelétricas”, defendendo que se reconheça que esta população é constituída por cidadãos que possuem o direito de participar do planejamento e da tomada de decisão dessas obras, mesmo que isso implique a busca de fontes alternativas de energia. “Somente a partir disso será possível criar uma política energética ajustada aos interesses da maioria”, concluem.

Carmem Regina Giongo é doutoranda em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Jussara Maria Rosa Mendes é professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Rosangela Werlang é pós-doutora em Psicologia Social e Institucional e pesquisadora visitante na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

 

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