O líder das Nações Unidas, António Guterres, vem subindo o tom de suas declarações sobre as mudanças climáticas e sobre a responsabilidade dos chefes de estado neste processo. Na semana passada, ele mandou uma carta a todos, exigindo que eles estabeleçam planos para alcançar a neutralidade de emissões de carbono até 2050. E avisou que quer propostas concretas de uma ação climática ambiciosa na cúpula da ONU que vai acontecer em 23 de setembro em Nova York. O site Climate Home News pôs no ar alguns trechos da carta aos quais teve acesso.
Em resumo, Guterres quer que este seja o tema central da reunião de alto nível e está instigando os chefes de estado a disputarem os holofotes da mídia com planos estratégicos. Uma das questões que mais vem incomodando o executivo da ONU é que principais economias emergentes não estão fazendo o que haviam prometido fazer, entre elas a China. Em novembro de 2014, o país assinara um pacto com os Estados Unidos, então liderado por Barack Obama, muito comemorado por ambientalistas e pela própria ONU, à época chefiada por Ban Ki Moon.
Hoje, porém, o grande país está levando um puxão de orelhas de Guterres, que não considera séria a aspiração da China em alcançar a neutralidade de carbono. O que mudou, em cinco anos, já que, segundo dados expostos no ano passado, as emissões da China, que representam 27% do total global, cresceram cerca de 4,7 % em 2018, atingindo um novo máximo histórico?
Segundo especialistas, o crescimento das emissões na China está ligado à atividade de construção e ao crescimento econômico, parte do qual pode ser devido ao crescimento temporário do crédito impulsionado por estímulo. A energia proveniente de fontes renováveis está crescendo 25% ao ano, mas a partir de uma base baixa, o que não ajuda a mudar o cenário.
Levando em conta as intenções tão distantes dos gestos reais, faz sentido a chamada que Guterres está fazendo aos países. Há muito se sabe que é preciso uma ação integrada para se conseguir baixar as emissões. Há muito se sabe, também, que justamente os países mais pobres e que emitem menos gases poluentes são os que mais sofrem as consequências dos eventos extremos causados pelo efeito estufa que eles vêm causando à atmosfera.
Em extensa reportagem publicada ontem pelo britânico “The Guardian”, o desmatamento da Amazônia é tido como gravíssimo – “Subiu acima de três campos de futebol por minuto” – por causa da política do presidente Jair Bolsonaro, que acha mentirosos os dados sobre desmatamento e vem facilitando bastante a vida de quem quer cortar árvores e queimar as matas em nome do “desenvolvimento” do país. As aspas são por conta do ceticismo com relação à equação que envolve degradação ambiental e progresso econômico.
Para evitar a má fama internacional, Bolsonaro opta por “tirar o sofá da sala” e começa a querer esconder os dados. Mas, como diz a nota de solidariedade encabeçada pelo WWF e outras tantas entidades ambientais mundialmente reconhecidas e respeitadas, “Se os dados deixarem de ser públicos, o Brasil passará a integrar o seleto grupo de países que, ao sufocarem a ciência e a pesquisa independente por motivos ideológicos, passaram a ser reconhecidos como párias internacionais”.
“É o caso da Venezuela, que há anos deixou de ter estatísticas oficiais sobre desemprego, inflação, pobreza, mortalidade infantil, dentre outros, por entender que a existência e a publicidade desses dados prejudicariam seu governo. Preocupa-nos sobremaneira que o Brasil também comece a trilhar esse caminho, no qual a motivação ideológica e a política prevaleçam sobre a verdade”, diz a nota.
Com esta disposição, imagino que o presidente Jair Bolsonaro tenha posto a carta que recebeu de António Guterres, líder máximo das Nações Unidas, numa espécie de gaveta onde põe tudo o que considera “ideologias obsoletas”. O que talvez ele não tenha conseguido pensar é que tal desprezo pode ter consequências graves, inclusive nas relações comerciais.
Na carta, Guterres provoca também as empresas a se unirem nesta rede para ampliar a ação climática em toda a economia global. Após a reunião sobre o clima que aconteceu em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, em junho deste ano, ficou claro que os anúncios esperados dessas coalizões incluem um compromisso de um grupo de empresas industriais pesadas em atingir emissões líquidas zero até 2050. O que se espera é que saiam das promessas e mostrem um roteiro claro, sobretudo as empresas que operam em setores como química, cimento, aço e caminhões, que são particularmente difíceis de descarbonizar.
“Outras iniciativas devem se concentrar em emissões líquidas zero em prédios até 2050, melhorando a resiliência de 600 milhões de moradores de favelas e aumentando o financiamento climático para cidades em países de baixa e média renda”, diz a reportagem do Climate Home News.
Para que tudo isto não se torne retórica inútil é preciso mais do que boa vontade, como se sabe. Mas a vontade política, num mundo tão polarizado como estamos vivendo, não está em alta. E deixa a esperança da gente na gaveta.
Fonte: G1