Fonte: Estadão
O plano era conter o aumento da temperatura do planeta em 2°C, mas as propostas de redução das emissões de gases de efeito estufa apresentadas por mais de uma centena de países, primeiro colocam a Terra no rumo de algo entre 2,7°C a 3,5°C, podendo ultrapassar 4°C até 2100.
Essa é a análise que dois grupos de pesquisa da Europa e dos Estados Unidos fizeram com base nas chamadas INDCs, conjunto de compromissos que os 195 países integrantes da Convenção do Clima das Nações Unidas foram convidados a apresentar como contribuição para a conferência que acontece em Paris em dezembro.
O prazo para a entrega desses dados era esta quinta-feira, 01 de outubro de 2015. Até as 23 horas, 120 nações, representando cerca de 85% das emissões do planeta, apresentaram suas metas. O fato de tantos países terem tomado essa atitude é considerado positivo, porque mostra um compromisso de agir para combater o aquecimento global, mas ainda está aquém do necessário para evitar um futuro de mudanças climáticas mais severas. Dependendo do cálculo, pode-se ter uma redução mínima de emissões até 2030.
O “calcanhar de Aquiles” passa a ser China e Índia. A China só tinha dito que vai alcançar o pico de suas emissões daqui a 15 anos. Já a Índia, um dos último países a apresentar sua proposta, se comprometeu ontem a reduzir a intensidade de emissões por PIB em 33% a 35% até 2030, com base nos níveis de 2005.
Isso significa reduzir a quantidade de CO2 que é emitida por unidade de PIB gerada. O país se comprometeu também a absorver de 2,5 Gt a 3 Gt de CO2 equivalente através de florestas adicionais. Mas analisando outros dados que o país menciona no documento, como um aumento da população de 1,2 bilhão de pessoas em 2014 para 1,5 bilhão em 2015, e um aumento do PIB per capita de US$ 1.408 para US$ 4.205, as emissões podem ser muito mais altas que as atuais.
A conversão das metas em temperatura foi feita pelo programa Climate Action Tracker, composto por instituições europeias como o Instituto Potsdam para Pesquisa sobre Impactos Climáticos, e pelo Climate Interactive, com pesquisadores da Escola Sloan de Administração do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
O primeiro chegou ao valor de 2,7°C, com base na análise das metas apresentadas por 19 países, que representam 71% das emissões do planeta. Eles fizeram o cálculo antes de a Índia (que aumenta a representatividade para 84% das emissões) apresentar seus dados e trabalharam com uma estimativa de que a meta do país seria reduzir entre 35% e 45% a intensidade de carbono por PIB.
Já o Climate Interactive estima que o aumento da temperatura pode ser de 3,5°C, com uma margem de incerteza que vai de 2,1 °C a 4,6°C.
Impactos
“Um mundo acima de 3°C pode ter extinção de no mínimo 15% de todas as espécies vivas do planeta. Acima de 3,5°C cria enormes dificuldades para a agricultura de cereais no Brasil. Os extremos vão ocorrer com mais frequência e talvez com mais intensidade. É uma grande mudança climática”, comenta Carlos Nobre, um dos principais climatologistas do Brasil.
“O que hoje ocorre a cada 100 anos, como a seca que atingiu o Sudeste do País em 2014, num futuro mais quente, vai ser mais comum. Não sabemos a frequência de repetição, mas eles vão se alternar com mais rapidez para os dois lados, tanto mais secas quanto mais chuvas, e vamos ter de aprender a lidar com isso, a infraestrutura terá de se adaptar a maior variabilidade dos extremos”, complementa o pesquisador.
Além disso, com cerca de 4°C, o nível do mar pode subir até 1 metro. Já subiu 20 centímetros desde a Revolução Industrial. “Grandes cidades costeiras do Brasil, onde vivem milhares de pessoas estão de 1 a 3 metros do nível do mar. A zona oeste de Jacarepaguá, no Rio, por exemplo, está entre 0,5 e 1 metros do nível do mar”, continua Nobre.
Ele lembra que vários rios da baixada fluminense também estão praticamente no nível do mar, e as várzeas desses rios serão inundadas. “Hoje já temos inundações por conta dessas condições. Mas se o nível do mar estiver 1 metro mais alto, será muito pior”, explica.