Fonte: GHG Protocol Brasil
O Brasil pode zerar em 2030 suas emissões de gases de efeito estufa causadas pelo desmatamento da Amazônia se o Código Florestal for cumprido.
A conclusão é de um estudo realizado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em parceria com colegas dos Institutos de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Internacional para Análises de Sistemas Aplicados (IIASA, na sigla em inglês), da Áustria, além do Centro para Monitoramento da Conservação Mundial do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP-WCMC).
Resultado do projeto REDD-PAC, financiado pela International Climate Initiative, do Ministério do Ambiente da Alemanha, com apoio da FAPESP, por meio do projeto “Land use change in Amazonia: institutional analysis and modeling at multiple temporal and spatial scales”, o estudo foi apresentado durante dois encontros realizados nos dias 6 e 7 de outubro, na sede da Fundação, sobre temas que serão debatidos durante a 21ª Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP21), prevista para ser realizada em dezembro, em Paris.
Os resultados do estudo contribuíram para embasar as metas de redução voluntária de emissões de gases de efeito estufa (INDC, na sigla em inglês) que o Brasil levará à COP21, apresentadas pela presidente Dilma Rousseff no final de setembro, em Nova York, durante a Conferência das Nações Unidas para a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015.
“O Código Florestal poderá ajudar a zerar as emissões de gases de efeito estufa pelo desmatamento da Amazônia se for cumprido. O Brasil não precisa mais de legislação ambiental para conter o desmatamento da Amazônia. Só precisa cumprir a que já tem”, disse Gilberto Câmara, pesquisador do Inpe e coordenador do projeto, durante o encontro.
Os pesquisadores fizeram projeções sobre como o novo Código Florestal poderá influenciar o uso futuro da terra no país, levando em contas políticas internas e a demanda mundial e nacional por produtos agropecuários brasileiros, além do potencial produtivo de cada região e as restrições ambientais.
Para isso, eles adaptaram um modelo econômico global, chamado GLOBIOM – desenvolvido pela IIASA para fazer projeções de mudanças de uso da terra no mundo causadas pela competição entre agricultura, pecuária e bioenergia –, para construir um mapa de uso da terra no Brasil no ano 2000.
O mapa combina informações sobre vegetação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com dados fornecidos pela Fundação SOS Mata Atlântica, além de mapas de cobertura de terra fornecidos pelo sensor MODIS, do Inpe, e estatísticas de produção agropecuária e de florestas plantadas do IBGE.
Com base nessa combinação de dados, o modelo fez projeções do uso da terra no Brasil até 2050.
A fim de validar o modelo, os pesquisadores compararam as projeções de taxas de desmatamento e de produção agrícola no Brasil no período de 2000 a 2010 com dados oficiais do IBGE.
As diferenças entre os dados do IBGE e as projeções feitas por meio do modelo foram menores do que 10%, afirmou Câmara, que é membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) .
“O Prodes [projeto do Inpe que realiza o monitoramento por satélites do desmatamento por corte raso na Amazônia Legal] calculou que, em 2010, foram desmatados 16,5 milhões de hectares na Amazônia Legal, enquanto o modelo estimou que foram 16,9 milhões de hectares”, comparou.
Projeções até 2050
A fim de estimar como o novo Código Florestal pode influenciar o uso da terra no Brasil entre 2020 e 2050, os pesquisadores fizeram projeções de diferentes cenários.
Um dos cenários não considerou a aplicação do Código Florestal. O segundo cenário foi concebido levando em conta a plena aplicação do Código, que estabelece que não poderá haver mais desmatamento ilegal no país e prevê a recuperação de áreas de reserva legal, assim como o repasse de quotas de reserva ambiental por quem tem mais quotas de florestas do que reserva legal, além da anistia de pequenas fazendas e a obrigatoriedade do cadastro rural ambiental para regularizar as propriedades rurais.
Num terceiro cenário, considerou-se que somente produtores agrícolas poderiam comprar quotas de reserva ambiental. O quarto cenário, também com o Código Florestal, foi projetado supondo que somente os pequenos produtores agrícolas teriam que recuperar suas reservas legais. E, no quinto cenário, excluiram-se as quotas de reserva ambiental.
As projeções indicaram que, em um cenário de plena aplicação do Código Florestal, o reflorestamento no Brasil poderá chegar a 11 milhões de hectares até 2050.
“O número mais conservador seria da ordem de 10 a 12 milhões de hectares recuperados. Não por acaso, foi esse último número que o Brasil apresentou em sua INDC”, disse Câmara.
Em relação à produção agropecuária, em todos os cinco cenários projetados a área cultivada no Brasil crescerá nas próximas décadas, saltando de 56 milhões de hectares em 2010 para 92 milhões de hectares em 2030, podendo chegar a 114 milhões de hectares em 2050.
Em contrapartida, as terras destinadas à pastagem poderão ter uma diminuição significativa nas próximas décadas, caindo de 10 milhões de hectares em 2030 comparado com 2010 e mais 20 milhões de hectares até 2050, indicaram as projeções.
O modelo considerou dados do Ministério da Agricultura que estimam, a cada ano, a redução de, aproximadamente, 1 milhão de hectares destinados à pecuária como consequência da melhoria das práticas e aumento da produtividade.
“O Código Florestal e a legislação ambiental não são fatores limitantes ao crescimento da agropecuária brasileira”, avaliou Câmara.
De acordo com as projeções, a aplicação plena do Código Florestal também poderá contribuir para uma maior redução das emissões totais de gases de efeito estufa pelo Brasil.
A combinação de reflorestamento com redução do desmatamento, por força do Código Florestal, poderá fazer com que as emissões por desmatamento no Brasil cheguem a 110 milhões de toneladas de CO2 em 2030 – uma queda de 92% em relação a 2000 quando dois terços das emissões de CO2 do país eram provenientes, principalmente, do desmatamento da Amazônia.
Com isso, o país passaria a zerar suas emissões por desmatamento a partir de 2030, apontou Câmara.
“A redução do desmatamento está comprando o tempo para o Brasil tornar sua matriz energética mais limpa e conseguir descarbonizar sua economia. A diminuição das emissões de gases de efeito estufa pelo país depende, agora, do uso de combustíveis renováveis, e não mais da Amazônia ”, avaliou Câmara.
Matriz Energética
Na avaliação de Glaucia Mendes Souza, professora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), a meta estipulada na INDC brasileira de aumentar a participação da bioenergia na matriz energética brasileira para, aproximadamente, 18% até 2030, com o objetivo de diminuir as emissões do setor de energia, é muito conservadora e pouco ambiciosa.
“Só de etanol de cana-de-açúcar o Brasil já produz 18% e estamos com um potencial ocioso no setor, com várias usinas falindo por terem se endividado com a sinalização de que o etanol poderia aumentar sua participação na matriz energética brasileira”, disse Souza durante um workshop sobre a COP21 para jornalistas, realizado no dia 6 de outubro, na FAPESP.
“Não há desculpa para o Brasil, país reconhecido como pioneiro no uso de bioenergia, não estar usando mais combustível renovável – principalmente etanol de cana-de-açúcar – em sua matriz energética”, afirmou.
Biodiversidade
O estudo coordenado por Câmara também avaliou o impacto da implantação do novo Código Florestal na diminuição da perda de biodiversidade no Brasil.
De acordo com as projeções dos pesquisadores, o Código pode contribuir para reduzir o número de espécies ameaçadas no Brasil e de perda de habitats.
As principais áreas sob ameaça de perda de habitats, segundo o estudo, são a Caatinga – que poderá perder até 2050 mais de 51% de suas florestas intocadas e importantes para biodiversidade, mas que atualmente não estão protegidas – e o Cerrado, que poderá perder mais de 20% de sua área total também de grande importância para a biodiversidade, aponta o estudo.
“Temos muito mais incertezas do que certezas em relação a como a biodiversidade, em toda a sua complexidade, será afetada pelas mudanças climáticas”, disse Luciano Verdade, professor da USP e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA), durante o evento sobre a COP21 realizado na FAPESP no dia 7 de outubro.
“Mas já sabemos que não só as mudanças climáticas, como também o uso da terra, causam alterações no padrão de distribuição e de abundância de espécies selvagens. O que é difícil avaliar, ainda, são os impactos da interação desses dois fatores – as mudanças climáticas e de uso da terra – na biodiversidade”, afirmou Verdade.