Grandes poluidores, paguem a conta

Fonte: GHG Protocol Brasil

Alguns meses atrás, em Myanmar, chuvas torrenciais causaram deslizamentos que destruíram centenas de casas e arruinaram em grande escala as lavouras. Mais de 1,3 milhão de pessoas foram afetadas e mais de 100 morreram. No Vietnã, as mesmas inundações fizeram com que tanques de rejeitos tóxicos de minas de carvão transbordassem e invadissem aldeias, além da Baía de Ha Long, declarada Patrimônio Mundial; o total de mortos foi de 17 pessoas. Na medida que eventos climáticos desse tipo se tornam cada vez mais frequentes e mais intensos, a necessidade de mitigação e de adaptação à mudança climática torna-se mais premente do que nunca.

E não nos enganemos: esses acontecimentos são, pelo menos em parte, resultado da mudança climática. Como destaca o cientista climático Kevin Trenberth, do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos EUA, atualmente “[todos os] eventos climáticos são afetados pela mudança climática, porque o meio ambiente em que ocorrem está mais quente e mais úmido do que antes”.

Os negociadores internacionais do clima, em alguma medida, reconhecem isso. Os efeitos enfrentados pelas populações de Myanmar e do Vietnã são considerados custos inevitáveis da não adaptação à mudança climática, classificados pelas autoridades como “perdas e danos”. Mas essa expressão não capta toda a escala das consequências – principalmente seu impacto sobre vidas humanas. As pessoas que morreram em Myanmar e no Vietnã não são apenas “custos inevitáveis” e seus entes queridos não conseguem simplesmente “se adaptar” à sua perda.

Pelo estudo de 2013 do cientista Rick Heede, quase dois terços do dióxido de carbono emitido desde a década de 1750 podem ser atribuídos a apenas 90 das maiores entidades produtoras de combustíveis fósseis e de cimento, a maioria das quais ainda operante

Esse tipo de retórica marcada pela frieza reflete a não adequação das respostas à mudança climática produzidas até agora pelas negociações internacionais. Na verdade, se o mundo industrializado tivesse feito o necessário para deter a mudança climática, como prometido uma geração atrás, Myanmar e o Vietnã mais provavelmente teriam sido poupados de suas recentes “perdas e danos”.

O não cumprimento de seus compromissos pelas economias conhecidas como avançadas leva a concluir que Myanmar e o Vietnã dificilmente são os países em desenvolvimento mais vulneráveis da atualidade. Os minúsculos países insulares do Pacífico, por exemplo, não conseguiram construir defesas adequadas contra as “supermarés” que avançam sobre suas terras e fazem com que as “lentes” de água doce localizadas embaixo de seus atóis fiquem salobras. Suas populações – que estão entre as pessoas mais pobres do mundo – estão pagando pela mudança climática com sua vida e seus meios de sustento. E, desprovidas de recursos para se adaptar, continuarão a sofrer.

Mas a situação consegue ser ainda mais cruel. Os que estão por trás do problema – os maiores poluidores mundiais – continuam a obter bilhões em lucros, ao mesmo tempo em que recebem enormes subsídios energéticos dos governos (que deverão alcançar, segundo projeções, US$ 5,3 trilhões em 2015, ou cerca de US$ 10 milhões por minuto).

Quem são esses poluidores? Segundo estudo de 2013 do cientista Rick Heede, quase dois terços do dióxido de carbono emitido desde a década de 1750 podem ser atribuídos a apenas 90 das maiores entidades produtoras de combustíveis fósseis e de cimento, a maioria das quais ainda operante. Cinquenta são companhias de capital aberto, como a Chevron Texaco, a ExxonMobil, a Shell, a BP e a Peabody Energy; 31 são estatais, como a Saudi Aramco e a Statoil da Noruega; e nove são países como a Arábia Saudita e a China.

Em reconhecimento à flagrante injustiça – sem falar no poder destrutivo – desse estado de coisas, surgiu uma nova iniciativa, lançada pelo Projeto Imposto sobre o Carbono e respaldada por um número crescente de pessoas físicas e organizações, que exige que os grandes poluidores paguem indenizações aos países em desenvolvimento vulneráveis. Especificamente, o Projeto Imposto sobre o Carbono propõe um imposto incidente sobre a extração de combustíveis fósseis.

Esse imposto é coerente com a legislação internacional, inclusive com o princípio do “poluidor é que paga” e, se aprovado, se constituirá numa fonte nova e previsível de recursos – no valor de bilhões de dólares – para as comunidades mais necessitadas desse dinheiro, sem eximir os governos de fornecer fontes públicas de financiamento. E, ao elevar o custo da extração de combustíveis fósseis, contribuirá para a desativação gradual de um setor que não tem lugar em um mundo seguro do ponto de vista climático.

Felizmente, o mundo não terá de esperar por iniciativas de convencimento moral para se sair bem. As companhias de combustíveis fósseis e os governos já estão enfrentando pressões judiciais cada vez maiores. Os sobreviventes do tufão nas Filipinas protocolaram uma queixa junto à Comissão de Direitos Humanos do país, defendendo uma investigação sobre a responsabilidade das grandes companhias de combustíveis fósseis pelas causas da mudança climática.

O grupo holandês Urgenda e quase 900 correclamantes processaram com sucesso o governo holandês, obrigando-o a adotar políticas climáticas mais rígidas. Um agricultor peruano pretende, no momento, processar a empresa carbonífera alemã RWE para que ela assuma os custos de proteger sua casa, localizada na rota de inundação de uma geleira. E os signatários da Declaração dos Povos pela Justiça Climática de países das ilhas do Pacífico estão comprometidos em mover ações contra grandes poluidores por atividades que resultaram na destruição de suas casas.

Se nada for feito, esses processos só farão aumentar e ficarão mais difíceis de derrotar. O establishment das grandes petrolíferas, das grandes empresas de gás e das grandes companhias de carvão tem de aceitar a responsabilidade pela mudança climática e começar a contribuir verdadeiramente para a adaptação. Caso contrário, terão de se preparar para lutar por sua própria sobrevivência – uma luta que, no longo prazo, simplesmente não conseguirão vencer (Tradução de Rachel Warszawski).