Cantos xamânicos e ayahuasca entoam mitos e tradições indígenas

Fonte: Jornal da USP

Em plena floresta amazônica, numa área na fronteira do Acre com o Peru, vive o povo Huni Kuin. E nos cantos xamânicos, os chamados huni meka e nixi pae, habitam suas principais expressões culturais e identitárias, na medida em que traduzem saberes, rituais e tradições do que se conhece como “espírito da floresta”.

Artigo de Amilton Pelegrino de Mattos e Ibã Huni Kuin na revista GIS – Gesto, Imagem e Som relata esses cantos entoados pelo estímulo da ayahuasca. A combinação de um cipó e das folhas de um arbusto da Amazônia é parte dos rituais de diferentes grupos sociais e religiões e também da medicina tradicional dos povos da Amazônia.

Pelegrino de Mattos, pesquisador e professor de Licenciatura Indígena da Universidade Federal do Acre (Ufac), conhecida como Universidade da Floresta, conta-nos sobre a origem do Movimento dos Artistas Huni Kuin – Mahku, nome atribuído ao coletivo formado por ele e mais dois pesquisadores artistas: o nativo Ibã Huni Kuin, conhecedor dos cantos xamânicos e acadêmico em Licenciatura Indígena, e Bane Huni Kuin, filho de Ibã, artista visual e estudante de Pedagogia.

O encontro inspirou a criação do Projeto Espírito da Floresta, a partir da pesquisa desses cantos, os quais motivaram a criação do livro É tudo vivo, tudo fica olhando, tudo escutando – O MAHKU – Movimento dos Artistas Huni Kuin. O projeto gerou o Encontro de Artistas Desenhistas Huni Kuin, com a realização de uma exposição dos desenhos em Paris e exibição do documentário O Espírito da Floresta, em 2012. Esses desenhos mostram a ancestralidade desse povo, e estão expressos no canto entoado também para a cura de males e doenças, “arte poética singular […] que cartografa a cosmologia visionária do cipó nixi pae”, nas palavras de Pelegrino de Mattos.

Desenho de Isaka Huni Kuin, do coletivo Mahku
Desenho de Isaka Huni Kuin, do coletivo Mahku

O autor ressalta a interpretação de Ibã para os cantos, muito diferente da tradução linguística convencional e ocidental feita pelos antropólogos, linguistas ou outros pesquisadores não indígenas, no sentido de valorização da cultura indígena que propõe códigos e conhecimentos que se inter-relacionam com os saberes míticos como a “língua da jiboia ou do espírito que fala nessa poética visionária dos cantos”. Nos filmes O espírito da floresta e O sonho do nixi pae nota-se a importância da arte de contar e disseminar os mitos, na tentativa de difundir a cultura, o conhecimento desse povo com recursos audiovisuais, mostrando a “performance que vai além das palavras, incluindo gesto, expressão facial”.

A partir da atuação de Ibã e do Movimento Mahku, o artigo toma como base as questões: Por que canta o povo Huni Kuin? O que é, para eles, cantar? Qual é a ciência musical que podem estar propondo? Para Pelegrino de Mattos, a noção de cantar, “em relação ao que nós, brancos e acadêmicos, entendemos por cantar, pode comportar desde os mitos que se referem às práticas direta ou indiretamente relacionadas à música até rituais e tradições simbólicas”.

O autor chama a atenção para o fato de Ibã ser “pesquisador porque xamã, e xamã porque pesquisador”, revelando assim sua intenção de resgatar um conhecimento ancestral e traduzi-lo, contribuindo para a consciência e a importância da preservação cultural dos povos da Amazônia. O que é traduzido nas palavras de Ibã: “Nossa sabedoria, nosso espírito é do espírito da floresta […] antes de iniciar trabalho com Espírito da floresta, eu canto, depois interpreto […] a gente tem espírito da floresta traduzido pelo nixi pae; é tudo vivo, tudo fica olhando, tudo escutando”.

Amilton Pelegrino de Mattos é professor, desde 2008, na Licenciatura Indígena da Universidade Federal do Acre – Floresta, em Cruzeiro do Sul, onde coordena o Labi – Laboratório de Imagem e Som.

Ibã Huni Kuin é pesquisador da Universidade Federal do Acre.

 

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